Um passo importante. Assim começa a nota sobre a autonomia do Banco Central no site da instituição, publicada em fevereiro de 2021, quando foi aprovado pelo Congresso o mandato fixo para o presidente do Banco Central e que não coincide com o mandato do Executivo (presidente e governadores).
É preciso entender, antes de tudo, por que a independência do Banco Central (Bacen) é importante para você, leitor, que ganha seu salário e paga suas contas. A narrativa de que essa autonomia é boa apenas para o mercado financeiro e para os empresários é velha e sempre utilizada quando não se tem mais argumentos.
O principal mandato e objetivo do Bacen é garantir a estabilidade da moeda, ou seja, controlar a inflação. Nos Estados Unidos, por exemplo, o mandato do FED (banco central americano) é duplo: controlar a inflação e alcançar o pleno emprego.
E por que há essa diferença? Dentre muitos motivos, podemos citar três. Nosso passado inflacionário é muito pior, temos muito menos produtividade do que os EUA e nossa reputação como país, principalmente no campo fiscal, também é pior, mesmo que os EUA tenham uma dívida muito maior que a nossa.
Você pode pensar que inflação e emprego são inimigos, mas não são. A inflação é o pior flagelo financeiro para o trabalhador, principalmente o mais humilde. Via de regra, a inflação corrói decisivamente o poder de compra da população mais pobre, simplesmente porque os preços sobem e os salários não acompanham.
Se os preços sobem, isso significa que o empresário consegue transmitir, ao menos parcialmente, a perda de poder de compra da moeda nos produtos e serviços que vende. Isso não ocorre de forma perfeita, mas a situação do assalariado é muito pior, porque ele não tem defesa. Já tendo um orçamento apertado, quando a inflação chega ele não tem simplesmente o que fazer. A inflação empobrece o assalariado de forma quase instantânea.
A independência do Bacen, com mandato fixo para o seu presidente, busca blindar o Banco Central do ciclo político. Pelas declarações do atual governo, o atual presidente do Bacen teria sido destituído e substituído por alguém alinhado com as ideias de quem está no poder.
O problema é que isso já foi feito no passado, e de forma desastrosa, quando se colocou o estímulo à economia acima da defesa do poder de compra da moeda. Fazer cair juros artificialmente é dar espaço para um desarranjo na economia, que pode, inclusive, fazê-la desacelerar mais rápido do que se pensa.
Só para lembrar do exemplo mais recente, a Selic foi trazida para 7,25% ao ano há uma década, sob forte crítica do mercado, e o resultado foi uma inflação persistente de 10% a.a por três anos. Como consequência, a taxa de juros subiu, depois, para mais de 14% e lá ficou.
O desespero do governo à época para que a economia crescesse fez com que tivessémos, naquele momento, uma política incoerente e dúbia. Havia estímulos e desonerações tributárias, havia Programa de Aceleração do Crescimento, havia gasto público para induzir o crescimento. Ao mesmo tempo, inflação e juros altos. É como acelerar e frear ao mesmo tempo, não tem como não dar problema na máquina.
Existe solução? Sim, mas não é solução fácil. O Banco Central independente vai olhar para a estabilidade da moeda, e sua política vai ser ajustada em função disso, com muito menos influência política do que no passado.
Se o governo quer taxa de juros mais baixa, precisa fazer o dever de casa: conter os gastos públicos, melhorar a sua comunicação e o seu discurso, fazer a reforma tributária, e concentrar esforços em ações que possam aumentar a produtividade e a eficiência do ambiente de negócios. Isso vai ajudar a fazer a inflação cair naturalmente, e o Bacen certamente vai reagir de acordo com esse cenário. O emprego vai crescer naturalmente, sem gerar mais inflação.
Se tem algo pior do que taxa de juros alta, é inflação alta. E, para nós, um país que teve hiperinflação há poucas décadas, esse é um assunto com o qual não podemos brincar.
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