Governo e oposição não divergem neste ponto: sabem que credibilidade e estabilidade na dívida soberana e na trajetória das receitas e gastos públicos são fundamentais para que o Brasil seja visto como um país sério, no caminho de se tornar desenvolvido e atraente para o investimento externo.
Hoje, a principal regra fiscal vigente é a do teto de gastos, implementada no governo Temer. Uma regra dura, inflexível, simples e direta, que, apesar de ser dolorida, é também muito fácil de entender e, caso tivesse sido respeitada — nunca foi, na verdade —, encaminharia a queda da dívida pública brasileira nos próximos anos.
Com a mudança de governo, que agora é contra a regra do teto de gastos, a promessa de um novo arcabouço fiscal vinha sendo um compromisso do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. E, nesta quinta-feira (31), as novas regras foram divulgadas.
No entanto, o que recebemos não foi propriamente o novo arcabouço fiscal, mas uma apresentação de slides bastante simples, de 11 páginas, com ideias e parâmetros ainda preliminares para a posterior construção do texto definitivo que tramitará nas comissões do Congresso, na Câmara e no Senado.
Para resumir as regras propostas, o novo plano sugere fazer crescer o teto de gastos acima da inflação, entre 0,6% e 2,5% ao ano, dependendo do crescimento do PIB, limitando o crescimento dos gastos a 70% do crescimento das receitas. Também foi proposta uma curva de déficit/superávit com bandas, que, supostamente, guiaria o país para um superávit nos últimos dois anos de mandato e que, no fim das contas, seria, no cenário mais pessimista, uma soma zero entre déficit e superávit ao longo dos quatro anos do governo. No primeiro ano (2023), o déficit ficaria entre menos 0,25% e menos 0,75% ao ano. No último ano (2026), haveria superávit entre 1,25% e 0,75%.
Se o superávit surpreender, ficando acima da banda superior, o governo não usaria o recurso para abater a dívida, mas ficaria liberado para gastar mais. Haveria ainda um piso mínimo para o gasto com investimentos. Se, por outro lado, não atingir a meta de déficit/superávit, o governo precisaria limitar o aumento de gastos (no ano seguinte) a 50% do aumento da receita (e não 70%).
Lélio Monteiro
Administrador e sócio da Pedra Azul Investimentos
"A impressão do mercado não foi de uma proposta que procura conferir credibilidade, gerar economia e diminuir a dívida pública, muito pelo contrário. Ficou evidente a adoção de diversos subterfúgios para gastar mais ou gastar sempre no limite."
A proposta contém projeção de que haverá queda no percentual dívida/PIB, bem como diminuição do gasto com juros ao longo dos anos, o que dependeria da queda acentuada da dívida ou da baixa nos juros, algo que, na verdade, está nas mãos do Banco Central. Diversos analistas classificaram essa visão como demasiadamente otimista.
Para que a dívida pública caia conforme foi projetado pelo governo, seria preciso uma improvável combinação de fatores: robusto crescimento econômico, receita crescente, inflação controlada e juros baixos. O que temos hoje é um crescimento de PIB previsto para 2023 abaixo de 1%, inflação e juros bem altos. Por isso, boa parte do mercado viu as projeções como irrealistas e pouco críveis.
Em resumo, a proposta de arcabouço fiscal ainda é apenas um pré-projeto, possuidor de boas intenções, mas que carece de fundamentos que façam os investidores acreditarem em uma política fiscal à altura de um país grande e endividado.
A proposta apresentada só daria certo se todas as outras variáveis ajudassem. O que vimos nos últimos anos, depois desse evento devastador que foi a pandemia, é que contar que tudo vai dar sempre certo não é prudente, nem traz a confiança e estabilidade que o Brasil tanto precisa.
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