O programa de descontos idealizado pelo governo tem um alvo certo: o preço salgado dos veículos novos, que explodiram após a pandemia, muito em função da crise de suprimentos, em especial os semicondutores, essenciais para a eletrônica dos carros atuais.
Cabe lembrar que a inflação foi um fenômeno de alcance mundial, ocasionado principalmente pela queda das cadeias produtivas e logísticas nas fases mais agudas de restrições à mobilidade em meio ao avanço da Covid-19. Desde então, os carros estão entre os itens que mais se valorizaram.
Para resolver isso, a solução mais difícil de implementar, porém mais duradoura e que traz melhores resultados no longo prazo, é melhorar o ambiente de negócios e fortalecer o mercado de automóveis como um todo. Ao contrário do que muitos pensam, mais mercado traz mais competitividade, mais oferta de produtos e mais disputa pelo recurso escasso do consumidor, mantendo os preços baixos.
Isso passa por uma série de medidas, que nós, como país, temos sérias dificuldades de implementar, como reforma e simplificação tributária, abertura do mercado interno, redução da burocracia com melhoria dos processos públicos, incentivo à educação profissionalizante e investimentos em logística e infraestrutura, mesmo que seja por parcerias com entes privados.
Se a subida dos preços aconteceu pela ausência de mercado (quebra de cadeias, restrições de mobilidade, indisponibilidade de componentes e materiais), fortalecer o mercado com ações estruturantes é garantir que o brasileiro tenha sempre competidores ávidos para oferecer o melhor negócio e que o país passe a ser mais desejado e priorizado pelas grandes montadoras. Um mercado mais forte obriga as empresas a operarem com margem de lucro menor, buscando resultados com maior escala, assim como ocorre em mercados maduros, como os Estados Unidos.
No lugar disso, o governo decidiu pela solução fácil, mas que não muda nada além do curto prazo: usar o dinheiro público, que é meu e seu, para mostrar serviço, na obsessão de que as coisas fiquem mais baratas a qualquer custo. Isso com prazo máximo definido e limite no volume de crédito tributário concedido (leia-se desconto no imposto pago pelas montadoras). Portanto, assim que o limite total de descontos programado seja atingido, o programa é encerrado, podendo acontecer rapidamente.
No mais, é um programa que atinge uma parcela específica da população, aquela que consegue comprar um carro zero, incluindo caminhões, ônibus e vans, ou seja, uma minoria. Naturalmente, a queda nos preços dos carros novos fará cair o preço dos usados, mas quem tem um carro usado não tem qualquer incentivo para vender o carro, como as montadoras terão.
Portanto, a tendência é que o número de negócios com carros usados diminua, porque os proprietários vão preferir esperar o programa terminar para colocá-los à venda, a não ser que troquem por um carro zero e, nesse caso, entregando o carro usado por valor menor, o que anula o efeito do desconto, ao menos parcialmente.
Para as montadoras, será um fôlego para as vendas, que andam em baixa. Mas daqui a alguns meses, o Programa acaba, e tudo volta a ser como era antes, com as mesmas dificuldades que o país tem de ter um ambiente de negócios saudável, competitivo e forte, o que beneficiaria o consumidor de forma permanente.
Para pagar essa conta (sim, alguém precisa pagar a conta!), o governo vai reonerar parcialmente o diesel até o fim do ano. Ou seja, o programa de descontos beneficia as montadoras, incluindo toda a cadeia de fornecedores de peças e materiais, e a minoria da população que planeja comprar um carro zero, que, convenhamos, é um produto que está longe das pretensões da maioria.
E quem provê recursos para isso é o erário público, o dinheiro dos impostos recebidos pelo governo federal, mantido à custa de todos nós. Pensando desse jeito, o programa de descontos é mais uma maneira de transferir recursos de impostos de todos (especialmente os mais pobres) para um setor específico da economia, sem proporcionar uma melhoria duradoura.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.