Administrador de Empresas (UERJ), pós-graduado em Engenharia Econômica (UERJ), certificado CFP® e Ancord. 21 anos de carreira no mercado financeiro, com passagens pelo atendimento Private, Alta Renda, Gestora de Recursos, Tesouraria e Educadoria Corporativa. Desde 2018, sócio da Pedra Azul Investimentos, escritório de assessoria de investimentos sediado em Vitória-ES.

Teremos uma moeda única entre Brasil e Argentina? Entenda o caso

A adoção de uma moeda comum sempre soa como música aos ouvidos, mas é muito mais difícil de implementar do que parece, especialmente entre os dois países

Em uma carta conjunta divulgada pelos presidentes dos dois países, Brasil e Argentina anunciaram estudos para a criação de uma moeda comum que reduza “os custos operacionais e nossa vulnerabilidade externa”.

Imediatamente, muita gente ficou preocupada, achando que isso significaria uma unificação monetária, nos moldes do que ocorre na Zona do Euro. E os motivos para essa preocupação são óbvios. Enquanto o Brasil luta para que a inflação anual não rompa a barreira dos 10% ao ano, a Argentina enfrenta problemas muito maiores, com a sua inflação em 2022 fechando em perigosíssimos 94,8% ao ano.

Se o dólar é cotado no Brasil a pouco mais de R$ 5, na Argentina, que dolarizou sua economia na década de 90 através do “peso conversível”, é preciso ter mais de 180 pesos para comprar um dólar.

Os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Argentina, Alberto Fernández
Argentina é um importante parceiro comercial do Brasil, mas a ideia de uma moeda única não faz o menor sentido, ao menos para o Brasil. Crédito: Ricardo Stuckert/PR

A ideia de uma moeda única que substitua o real e o peso argentino não faz o menor sentido, ao menos para o Brasil. Como temos muito mais reservas em dólar, não é difícil comprar dólares por aqui. Ironicamente, nossa economia é muito menos dolarizada do que a deles. Por lá, o dólar é escasso para quem quer comprar, mas a manutenção de dólares por residentes, como forma de proteção de patrimônio, é uma marca nacional.

Some-se a descrença que o povo argentino tem na própria moeda ao vício dos governos de imprimir mais moeda do que o necessário, a uma política fiscal expansionista e populista e à falta de reservas cambiais pelo Banco Central argentino, e explicamos muito sobre o círculo vicioso em que a Argentina se colocou.

Uma moeda única nos dias de hoje seria apenas uma forma de o Brasil transferir um pouco da credibilidade que tem para a Argentina, assim como a Alemanha, mal comparando, distribui credibilidade na Zona do Euro. Concluímos que a adoção de uma moeda única que substituísse as moedas de cada país seria algo muito complicado e sem o menor propósito.

No entanto, o que se estuda nesse momento é a adoção de uma moeda comum que coexista com o real e o peso e que, portanto, cumpra o papel de conversibilidade entre as duas moedas.

Hoje, o câmbio entre moedas consideradas fracas (o real e o peso argentino estão entre elas) é feito através de uma moeda forte e conversível, como são o dólar e o euro. A explicação é simples. Nas trocas comerciais entre Brasil e Argentina, os exportadores e importadores argentinos não querem deter posição na moeda real, assim como os brasileiros não querem manter posição em peso argentino. A moeda forte — o dólar — funciona como um estabilizador, uma âncora, uma reserva real de valor, conversível contra as duas moedas fracas. Por isso, o dólar e o euro são consideradas moedas conversíveis, e o real e o peso argentino não.

Vulnerabilidade

Neste ponto, como defendia a carta conjunta divulgada pelos dois países, a ideia seria criar uma moeda comum que substituísse o dólar, reduzisse os custos das conversões cambiais e diminuísse a vulnerabilidade externa. O problema é que essa proposta trocaria a vulnerabilidade externa por uma perigosa vulnerabilidade regional.

Se houver uma moeda comum entre os países, os importadores argentinos vão precisar comprar essa moeda comum com os seus pesos argentinos para enviar aos brasileiros exportadores. Se o Brasil tiver superávit comercial com a Argentina, a tendência é que a moeda comum comece a acumular em posse de brasileiros, que teriam como única saída para a sua moeda comum comprar produtos argentinos ou vendê-la para quem quer comprar produtos argentinos.

Para se livrar do excesso de moeda, o brasileiro pode aceitar vendê-la com desvantagem para si e, portanto, criará maior resistência a vender seus produtos recebendo a moeda comum, pedindo mais moeda pelo mesmo produto e gerando inflação lá pelos lados portenhos.

É importante perceber que isso já acontece com o dólar. O país que exporta mais do que importa tende a valorizar sua própria moeda e, caso importe mais do que exporte, tende a desvalorizar sua moeda, porque esses movimentos geram fluxo negativo ou positivo para a moeda forte estrangeira que é conversível.

A nova moeda comum não estaria, portanto, imune a oscilações de preço contra o real e o peso argentino. Neste caso, o problema é maior, porque, ironicamente, essa nova moeda não teria conversibilidade alguma, só serviria para jogar o valor para o outro lado da fronteira. No caso do dólar, que é moeda forte e conversível, é possível destinar o excesso de divisas para outro país que não seja o Brasil ou a Argentina, girando a roda do comércio internacional.

Lélio Monteiro

Administrador

"Portanto, o assunto não é tão simples assim. Não se resolve um grave problema monetário e econômico do país vizinho, agora alinhado ideologicamente, com medidas fantásticas e fórmulas mágicas."

Hoje, a criação de uma moeda única entre os dois países, pelo ponto de vista do Brasil, traria muito mais complicações do que soluções, e a tendência é que o problema que não é nosso venha estourar na nossa mão.

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