É assessor de investimentos da Valor/XP Investimentos. É mestre em Direito e professor de pós-graduação.

Por que insistir em se aventurar sozinho no mercado financeiro?

Para consertar o carro, as pessoas chamam o mecânico; para cuidar da saúde, procuram um médico; para uma dúvida jurídica, consultam advogados; mas, para investir, dispensam ajuda profissional

Vitória
Publicado em 10/10/2024 às 08h11

Delfim Netto, em uma de suas mais célebres frases, cravou que “o órgão mais sensível do corpo humano é o bolso”. Talvez por isso seja difícil para algumas pessoas delegarem a gestão de seu patrimônio a terceiros, preferindo-se investir por conta própria, ainda que não se conheça bem o universo dos investimentos.

Curiosamente, em outras áreas, o comportamento usual das pessoas quando precisam de um serviço especializado é buscar um especialista. Para consertar o carro, chamam o mecânico; para cuidar da saúde, procuram um médico; para uma dúvida jurídica, consultam advogados; mas, para investir, muitas vezes dispensam ajuda profissional.

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investidor, investimento, ações, bolsa de valores, renda fixa, mercado de ações. Crédito: Freepik

Claro, a relação de cada um com o patrimônio e renda é personalíssima, cabendo escolher onde e como investir, conforme o perfil, experiência e gostos em geral. Cria-se, intuitivamente, uma “política de investimento” fundada na ideia básica de “meu dinheiro, minhas regras”, para gastar tudo, não investir em nada ou mesmo investir em imóveis, ações, ter uma poupança, etc.

Porém, optando-se em investir no mercado, no exato instante em que o dinheiro sai do bolso do investidor, a realidade deixa de ser “meu dinheiro, minhas regras” e passa a ser “seu dinheiro, regras do mercado”. E essa mudança de paradigma (suas regras/regras do mercado) costuma pôr em xeque as “certezas” que o investidor, por conta própria, possuía antes de começar.

As regras de mercado não respondem — e muito menos se adequam — às crenças pessoais do investidor. Eventualmente, a sorte ou uma tendência pode lhe favorecer, mas lhe faltará consistência para continuar de pé logo ao primeiro revés que se lhe for experimentado. Descobre-se que a rentabilidade recente do ativo que se escolheu aleatoriamente decorria de um fato específico passado e não garante ganhos futuros; ou que o mercado pode virar de uma hora para outra, por fatores que nem se imaginava existirem. Amarga-se a lição de Morgan Housel que “investir com sucesso parece fácil quando não é você que está fazendo” (“A psicologia financeira”. Rio de Janeiro: Harper Collins, 2022, p. 198).

Você arriscaria fazer uma “autocirurgia” sem possuir habilitação para isso? Então, por qual razão acreditaria que se aventurar no mercado financeiro por conta própria seria uma boa ideia? Por incrível que pareça, ainda há quem acredite que sim e embarque nessa aventura.

As consequências das escolhas aleatórias em mercado costumam ser muito danosas no tempo. Para efeito de comparação, o investidor que optou pela poupança ao invés de Tesouro Selic, ao longo dos últimos 10 anos, recebeu pouco mais que a metade dos lucros que teria com o título público. A poupança rendeu 80,4%, enquanto o Tesouro entregou 142%. Se o capital investido fosse R$ 100 mil, estaríamos falando de uma diferença em torno de R$ 62 mil que deixou de ganhar.

Martin J. Pring lembra que:

“Ninguém pode se considerar apto a ser professor universitário só tendo cursado um ano da graduação ou ser um ídolo do futebol aos 16 anos, nem dirigir uma grande companhia depois de seis meses de emprego. Seria então razoável ter esperanças de se sair bem no jogo de investimentos sem contar com estudo e treinamento adequados? O motivo da falta de realismo de muitos de nós é uma espécie de lavagem cerebral que nos leva a creditar que operar e investir são coisas fáceis e que não exigem muito raciocínio ou atenção. Através da mídia, sabemos de pessoas que obtiveram ganhos rápidos e fáceis e caímos no equívoco que podemos nos dar bem sem muito preparo ou planejamento. Nada mais falso.” (“A psicologia do investimento explicada”. Rio: Editec, 2010, p. 2).

Se uma gambiarra no carro pode resolver uma urgência e permitir dirigir alguns quilômetros até a oficina de um especialista antes de seguir viagem, os prejuízos ao se investir por conta própria podem ficar camuflados por bastante tempo e serem irrecuperáveis. E, então, de repente, sente-se uma dor profunda no bolso. Mas médicos especialistas não faltam por aí. Ainda bem que, para quase tudo, tem conserto! Boa sorte!

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