O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) foi criado em 1967 como uma forma de poupança para o trabalhador, com depósitos efetuados pelo empregador ao longo do tempo trabalhado. À época, com alterações efetuadas na CLT que visavam a mudança da questão da estabilidade no emprego, a adoção do FGTS foi um contrapeso para que o trabalhador abrisse mão da estabilidade antes prevista nas leis do trabalho.
Em um país ainda pouco desenvolvido e com nível de poupança muito baixo, a criação das contas tinha um segundo objetivo: criar funding para projetos de interesse do governo, como a habitação e investimentos públicos. A taxa de remuneração das contas de FGTS, de TR (Taxa Referencial) + 3% ao ano, baixa para os padrões brasileiros de juros altos, se tornava fonte de dinheiro barato para empréstimos e financiamentos que também beneficiariam os próprios trabalhadores.
O problema, agravado nos anos de pandemia, é que, por vezes a remuneração das contas de FGTS, fica abaixo da inflação. Mesmo que muitas vezes sejam contas “esquecidas” e que muitos trabalhadores não acompanhem de perto, a corrosão do saldo pelo IPCA é uma realidade, dependendo do corte temporal. Esse é o ponto que vem sendo questionado pelas diversas ações judiciais em curso, incluindo aquela impetrada pelo partido Solidariedade, que é a ação que está sendo julgada no STF.
A criação de funding barato de forma artificializada é uma característica marcante do mercado financeiro e bancário brasileiro. Temos um histórico de juros e inflação alta, sistema bancário concentrado e baixa segurança jurídica. É difícil tomar empréstimos e financiamentos no Brasil, principalmente porque são operações caras e com muita burocracia, comparado com outros países.
Neste caso, não só as contas do FGTS geram dinheiro barato, mas também a poupança. Outra fonte de recursos baratos (mas nem tanto) são os investimentos isentos de IR, como LCAs e LCIs, que os bancos usam para captar recursos a serem direcionados a operações específicas.
É por isso que, no Brasil, há grandes distorções entre empréstimos e financiamentos que têm origem em recursos mais baratos, como financiamentos imobiliários e empréstimos ao produtor rural, e operações que têm origem em recursos livres dos bancos, geralmente vinculados à Selic, que acabam sendo mais caros.
Ainda há o caso do BNDES, cujos empréstimos também eram subsidiados pelo Tesouro, se tornando muito baratos na ponta ao tomador, de forma artificial. No caso do BNDES, a adoção da TLP diminuiu a diferença na taxa cobrada, aproximando um pouco mais as operações do que é praticado no mercado livre.
Essas distorções dificultam, inclusive, a atuação do Banco Central no que diz respeito à política monetária, porque parte desses empréstimos e financiamentos que tem origem em funding barato, como o FGTS e a poupança, sofrem pouco ou nenhum impacto quando a Selic sobe ou desce. Como são operações baseadas na TR (mais juros), é apenas nesse índice que a Selic pode impactar, mas sempre de forma muito reduzida ou atenuada.
De certa forma, operações baseadas no FGTS ou na poupança estão blindadas parcialmente dos efeitos das taxas de juros, o que faz com que as operações que fazem parte de “todo o resto”, dentro do que se pode chamar informalmente de “sistema Selic”, paguem a conta duplamente quando a taxa de juros sobe.
É justo que as contas de FGTS tenham uma remuneração melhor, porque não é o trabalhador que deve pagar a conta dos juros mais baixos concedidos a partir desse saldo. Recentemente, o governo também passou a distribuir “lucros” do FGTS, na forma de aportes extras, que ajudou a diminuir a distorção.
Mas o ponto aqui é que os incentivos fiscais e os sistemas financeiros paralelos podem ter objetivos nobres, que é fomentar certas áreas de interesse econômico, mas não deixam de gerar distorções que são prejudiciais a outros setores e à competitividade da economia como um todo.
Novamente, lembramos que a criação de recursos baratos de forma artificializada é uma especialidade brasileira. E, dessa forma, perdemos eficiência e competividade, além de prejudicar a condução da política monetária pelo Banco Central.
Este vídeo pode te interessar
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.