Administrador de Empresas (UERJ), pós-graduado em Engenharia Econômica (UERJ), certificado CFP® e Ancord. 21 anos de carreira no mercado financeiro, com passagens pelo atendimento Private, Alta Renda, Gestora de Recursos, Tesouraria e Educadoria Corporativa. Desde 2018, sócio da Pedra Azul Investimentos, escritório de assessoria de investimentos sediado em Vitória-ES.

Nova correção do FGTS: o que está em jogo?

A possível mudança na rentabilidade das contas dos trabalhadores tem implicações que vão além da remuneração dos saldos

Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) foi criado em 1967 como uma forma de poupança para o trabalhador, com depósitos efetuados pelo empregador ao longo do tempo trabalhado. À época, com alterações efetuadas na CLT que visavam a mudança da questão da estabilidade no emprego, a adoção do FGTS foi um contrapeso para que o trabalhador abrisse mão da estabilidade antes prevista nas leis do trabalho.

Em um país ainda pouco desenvolvido e com nível de poupança muito baixo, a criação das contas tinha um segundo objetivo: criar funding para projetos de interesse do governo, como a habitação e investimentos públicos. A taxa de remuneração das contas de FGTS, de TR (Taxa Referencial) + 3% ao ano, baixa para os padrões brasileiros de juros altos, se tornava fonte de dinheiro barato para empréstimos e financiamentos que também beneficiariam os próprios trabalhadores.

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Por vezes a remuneração das contas de FGTS, fica abaixo da inflação. Crédito: Carlos Alberto Silva

O problema, agravado nos anos de pandemia, é que, por vezes a remuneração das contas de FGTS, fica abaixo da inflação. Mesmo que muitas vezes sejam contas “esquecidas” e que muitos trabalhadores não acompanhem de perto, a corrosão do saldo pelo IPCA é uma realidade, dependendo do corte temporal. Esse é o ponto que vem sendo questionado pelas diversas ações judiciais em curso, incluindo aquela impetrada pelo partido Solidariedade, que é a ação que está sendo julgada no STF.

A criação de funding barato de forma artificializada é uma característica marcante do mercado financeiro e bancário brasileiro. Temos um histórico de juros e inflação alta, sistema bancário concentrado e baixa segurança jurídica. É difícil tomar empréstimos e financiamentos no Brasil, principalmente porque são operações caras e com muita burocracia, comparado com outros países.

Neste caso, não só as contas do FGTS geram dinheiro barato, mas também a poupança. Outra fonte de recursos baratos (mas nem tanto) são os investimentos isentos de IR, como LCAs e LCIs, que os bancos usam para captar recursos a serem direcionados a operações específicas.

É por isso que, no Brasil, há grandes distorções entre empréstimos e financiamentos que têm origem em recursos mais baratos, como financiamentos imobiliários e empréstimos ao produtor rural, e operações que têm origem em recursos livres dos bancos, geralmente vinculados à Selic, que acabam sendo mais caros.

Ainda há o caso do BNDES, cujos empréstimos também eram subsidiados pelo Tesouro, se tornando muito baratos na ponta ao tomador, de forma artificial. No caso do BNDES, a adoção da TLP diminuiu a diferença na taxa cobrada, aproximando um pouco mais as operações do que é praticado no mercado livre.

Essas distorções dificultam, inclusive, a atuação do Banco Central no que diz respeito à política monetária, porque parte desses empréstimos e financiamentos que tem origem em funding barato, como o FGTS e a poupança, sofrem pouco ou nenhum impacto quando a Selic sobe ou desce. Como são operações baseadas na TR (mais juros), é apenas nesse índice que a Selic pode impactar, mas sempre de forma muito reduzida ou atenuada.

De certa forma, operações baseadas no FGTS ou na poupança estão blindadas parcialmente dos efeitos das taxas de juros, o que faz com que as operações que fazem parte de “todo o resto”, dentro do que se pode chamar informalmente de “sistema Selic”, paguem a conta duplamente quando a taxa de juros sobe.

É justo que as contas de FGTS tenham uma remuneração melhor, porque não é o trabalhador que deve pagar a conta dos juros mais baixos concedidos a partir desse saldo. Recentemente, o governo também passou a distribuir “lucros” do FGTS, na forma de aportes extras, que ajudou a diminuir a distorção.

Mas o ponto aqui é que os incentivos fiscais e os sistemas financeiros paralelos podem ter objetivos nobres, que é fomentar certas áreas de interesse econômico, mas não deixam de gerar distorções que são prejudiciais a outros setores e à competitividade da economia como um todo.

Novamente, lembramos que a criação de recursos baratos de forma artificializada é uma especialidade brasileira. E, dessa forma, perdemos eficiência e competividade, além de prejudicar a condução da política monetária pelo Banco Central.

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