Na última quarta-feira (8), o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) se reuniu novamente para deliberar sobre o novo patamar da taxa Selic, num ambiente de muita incerteza sobre qual seria sua decisão.
Desde que iniciou o atual ciclo de cortes na taxa Selic, o comitê, liderado pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, vinha oferecendo ao mercado sinalizações mais objetivas do ritmo do corte de juros. Para aquela quarta-feira, havia, na última ata, uma afirmação de que um novo corte de 0,5% seria implementado, levando a Selic para 10,25%. Contudo, por uma decisão dividida, o “guidance” não foi cumprido, e o corte foi menor, de 0,25%, o que gerou muita volatilidade no mercado.
A função primordial do Banco Central é defender a moeda do país, ou seja, combater a inflação, evitando que a moeda perca seu poder de compra. Para isso, o Conselho Monetário Nacional define uma meta que deve ser perseguida pelo Banco Central, que no Brasil hoje é de 3% ao ano. No entanto, essa meta foi definida num ambiente bem diferente do que vivemos hoje. Ela é ambiciosa, pois, poucas vezes na nossa história, tivemos inflação tão baixa assim e hoje requer uma taxa de juros muito elevada para ser atingida.
O problema é que juros muito altos, num país que não faz superávit e que cresce pouco, configura-se uma bomba-relógio, pois controla-se a inflação hoje, mas, no futuro, a sustentabilidade do pagamento da dívida entra em xeque. Com a desconfiança, o dólar sobe, e a inflação também. A solução natural seria o governo conter os gastos, despejando menos dinheiro na economia e, assim, fazer um superávit, o que iria ao encontro do esforço do Banco Central para conter a inflação.
No Brasil, o ambiente político não é o mesmo de países desenvolvidos e com histórico de controle inflacionário persistente. Nossa sociedade não gosta de inflação, mas define seu voto muito em função daquilo que determinado político consegue para sua região, via gastos públicos.
Por isso, há sempre uma disputa grande em Brasília por verba, via emendas parlamentares, fundos eleitorais, etc. Além disso, à exceção de 2018, elegemos presidentes de esquerda nos últimos anos, cujas plataformas de governo passam por um Estado grande e gastador. Logo, vivemos com Banco Central e governo (Executivo, Legislativo e Judiciário) num embate constante, o que teve seu ápice até aqui na última quarta-feira.
Roberto Campos Neto foi nomeado por Bolsonaro e, com a autonomia do Banco Central, passou a deter um mandato que se encerra no fim deste ano. Desde que Lula ganhou as eleições, ele é criticado pelo PT, com os mais diversos adjetivos, acusando-o de boicotar o governo e o país. Desde o ano passado, dos nove integrantes do Copom, quatro tiveram seus mandatos finalizados e foram substituídos por indicações do governo atual e, até então, haviam votado em harmonia com os cinco integrantes antigos, o que não se verificou agora e assustou o mercado.
Todos ainda têm na memória a gestão de Alexandre Tombini no Banco Central, que se arriscou a manter os juros baixos quando as expectativas de inflação se deterioravam e gerou o surto inflacionário de 2015, ano em que a inflação fechou acima de 10%. Há o temor claro de que o novo presidente do BC, que será nomeado no ano que vem, siga a mesma linha. Os votos dissidentes da última quarta exacerbaram isso.
Se o governo atual não colabora, com as críticas ao BC atual e com um discurso pouco comprometido com o controle do gasto público, Roberto Campos Neto também não demonstra a habilidade política que seu cargo requer, recolhendo-se a avaliações estritamente técnicas, que, na minha opinião, não são adequadas ao Brasil e que trazem volatilidade desnecessária aos mercados, como se viu na última quarta-feira.
Um ex-diretor recém saído do BC disse, em entrevista alguns meses atrás, que a postura do Copom deveria ser jogar os juros nas alturas, até o governo “entender” que teria de controlar os gastos, ora. É muita ingenuidade pensar que isso funcionaria no ambiente político do Brasil. Os efeitos colaterais de medidas assim podem ser um tanto amargos, como o Congresso voltar atrás e acabar com a autonomia recém concedida à autoridade monetária.
O Brasil hoje tem inflação oficial, que o BC usa para suas decisões, de 3,7% e mantém juros reais de 7% para levar o IPCA para 3%. Um preço muito alto está sendo pago por nossa sociedade na forma de juros para ter uma inflação mais baixa, num mundo que é hoje mais inflacionário do que cinco anos atrás.
Roberto Campos Neto não teve habilidade política para navegar neste ambiente; vai enfrentar os últimos meses de seu mandato tendo de manter os juros mais altos, pois haverá prêmio de risco nas expectativas de inflação e não terá nenhuma influência na escolha de seu sucessor. Suas ações podem ter criado um ambiente ainda mais favorável para que alguém com perfil de Alexandre Tombini seja nomeado como seu sucessor.
O Brasil precisa encontrar um meio termo entre uma política monetária forte para a busca de um patamar de inflação adequado ao nível de gastos públicos demandado pela sociedade. O embate atual certamente é errado e terminará em nova crise.
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