Formado em Economia pela Fucape e mestre em Contabilidade com foco em finanças e mercado de capitais pela mesma instituição; assessor de investimentos e sócio da Valor

Novos rumos da economia global diante da alta dos juros e da inflação

Profundas transformações sofridas desde a pandemia em 2020 podem implicar em uma mudança de padrões que vigoram há muito tempo

Vitória
Publicado em 02/03/2023 às 09h35

Quando se trata de economia e mercados, é uma obviedade dizer que o futuro é incerto. Dada a natureza complexa dos mecanismos e agentes que os regem, é sempre uma tarefa árdua tentar prever o andamento dos eventos. Não à toa, diferentemente dos meteorologistas, economistas são reconhecidos por estarem quase sempre errados acerca de suas previsões sobre o futuro.

Feito o Disclaimer, existem momentos em que o futuro parece ser ainda mais incerto que o comum, fazendo com que os economistas errem ainda mais que o normal. É possível que o momento atual seja um exemplo disso.

Novos rumos da economia global após a pandemia
Mercados avaliam alguns cenários para tentar colocar um rumo à economia global . Crédito: Shutterstock

Em um painel entre renomados gestores de fundos realizado na última semana, André Jakurski — fundador do banco BTG Pactual, da JGP Asset e um dos mais respeitados gestores de recurso do país — disse que está vivendo o momento de maior incerteza nos mercados dos seus quase 50 anos de profissão, opinião compartilhada pelos outros presentes.

As razões para tamanha incerteza estão ligadas às profundas transformações sofridas pela economia global desde a pandemia em 2020, que podem implicar em uma mudança de padrões e tendências que vigoram há muito tempo.

Os últimos 40 anos foram marcados por inflação controlada e juros baixos nas principais economias desenvolvidas. A ausência de pressões inflacionárias fez com que os bancos centrais adotassem uma postura cada vez mais “frouxa”. Não por acaso, esse período foi marcado por inovações monetárias, como taxas de juros negativos e Quantitative Easing.

Por outro lado, o avanço tecnológico, a integração dos mercados globais e o envelhecimento populacional atuaram como forças deflacionárias estruturais, fazendo com que o avanço dos preços resistisse a todos os excessos praticados do lado monetário.

Em 2021, a chama inflacionária reacendeu no mundo, em um processo que começou nos países em desenvolvimento, mas logo se alastrou para as economias desenvolvidas. A princípio, a reação das autoridades monetárias foi de negacionismo, e o discurso padrão era o de que a inflação se devia à ruptura das cadeias produtivas causada pela crise da Covid e que, tão logo as economias reabrissem, os preços se estabilizariam.

Em 2022, ficou claro que a leitura dos Bancos Centrais estava equivocada, o que os obrigou a mudar de postura e colocar em curso um dos mais intensos processos de aperto monetário do mundo. Em apenas um ano, o FED elevou os juros dos títulos do tesouro americano de 0 para 4,5%, algo sem precedentes na história.

Agora, a grande dúvida que paira na cabeça dos agentes de mercado é o quanto terá de ser pago em termos de juros e redução de atividade econômica para fazer com que a inflação, que hoje ainda ronda por volta dos 6% no EUA, retorne para níveis próximos à meta do FED de 2% a.a.

A primeira hipótese é a de que é possível que haja um pouso suave da economia americana (soft landing), ou seja, a inflação pode voltar para níveis controlados sem que haja uma grande contração da atividade econômica. Esse cenário, que ganhou mais defensores nos últimos meses com a divulgação de dados melhores de inflação ao consumidor americano (CPI), enquanto o desemprego atingiu o menor nível dos últimos 50 anos, está refletido nos preços de alguns mercados.

O S&P500 atualmente negocia próximo de 18 vezes o lucro projetado para os próximos 12 meses, um nível de preços próximo da sua média histórica e que não parece refletir grande pessimismo sobre o futuro. No mercado de renda fixa, a curva de juros americana já precifica quedas de juros a partir do ano que vem, mesmo com o FED comunicando que pode manter os juros altos por mais tempo; e a inflação negociada no mercado para os próximos 5 anos está na casa dos 2,5%, relativamente próxima à meta do FED. Em outras palavras, os preços no mercado hoje mostram que, em algum grau, o mundo deve conseguir retornar ao antigo equilíbrio de inflação controlada e juros baixos.

A segunda hipótese, defendida por aqueles que são mais céticos quanto à capacidade das autoridades monetária de controlar a inflação sem causar sérios danos à atividade econômica, é de que talvez as mudanças vividas nos últimos anos são transformacionais e que seja possível que o mundo esteja entrando em um regime diferente no que diz respeito a juros e inflação.

No centro desse argumento está a inversão em uma das principais forças deflacionárias das últimas décadas: a globalização. O foco em eficiência e redução de custos que norteou a disposição das cadeias produtivas globais tem perdido espaço para preocupações sobre segurança, confiança e proximidade.

Nesse cenário, é possível que países como o México e o Brasil, que possuem maiores custos de produção, sejam preferidos aos tradicionais destinos do sudeste asiático para a construção de novas fábricas. Além disso, outras tendências, como a preocupação com descarbonização e uso de fontes de energia limpas, também implicam em aumento de custo no curto prazo, configurando outra pressão inflacionária estrutural.

Assim, é fácil entender a apreensão de Jakurski sobre o momento em que estamos vivendo. Os impactos para a economia e mercados de caminharmos para um ou outro cenário são completamente distintos, e os fatores que determinam para onde estamos indo são de difícil previsão. Em momentos como este, talvez o mais prudente seja esperar as cenas dos próximos capítulos.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

A Gazeta integra o

Saiba mais
Economia Inflação Covid-19 dinheiro Juros Mercado Financeiro Pandemia

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.