O ano de 2023 não trouxe boas vibrações para os ativos de risco brasileiros. No pior momento deste ano, o Ibovespa chegou a cair 8%, aos 97.926 pontos, o dólar alcançou patamares próximos a R$ 5,50 e os juros de 10 anos flertaram os 14%a.a. A deterioração só não foi ainda mais expressiva por causa do processo de reabertura da economia chinesa, que vem surpreendendo positivamente e favorece o Brasil, principalmente via preço das commodities.
Entre as razões para o mau humor dos mercados, destaca-se a incerteza em relação à trajetória da dívida pública brasileira, que está em nível elevado mesmo comparada a países semelhantes e, segundo projeções de especialistas, deve continuar a crescer nos próximos anos.
A falta de organização sobre as contas públicas é responsável por boa parte das mazelas econômicas de um país. O alto nível de endividamento do governo e a falta de previsibilidade aumentam a percepção geral de risco do país, elevam as taxas de juros, pressionam a inflação e, em última instância, prejudicam o crescimento econômico.
De uma maneira geral, existem três maneiras de equacionar o problema da dívida pública: ou aumentam-se as receitas, ou diminuem-se as despesas ou se faz com que a dívida se desvalorize através de um processo inflacionário. No primeiro caso, o aumento de receita pode vir através de um aumento dos impostos — o que é difícil de ser implementado no Brasil, dado o nível já elevado de tributação — ou através de um forte crescimento econômico, que também parece ser uma realidade distante para o caso brasileiro.
A segunda forma, conter as despesas, é a mais indicada para tratar um problema fiscal. Entretanto, como no Brasil a maior parte das despesas são obrigatórias, os cortes devem vir através de reformas estruturantes, o que exige grande disposição política dada a impopularidade do tema.
A terceira e mais perversa forma de tratar o problema da dívida pública é aceitar um nível mais alto de inflação. Como boa parte da dívida pública é corrigida a uma taxa nominal, quando há um processo inflacionário, a dívida perde valor, o que contém a sua expansão real.
Além disso, em um processo inflacionário, as receitas do governo são reajustadas mais rapidamente que as despesas, que são definidas em temos nominais. Esse fenômeno, conhecido como efeito Patinkin, faz com que o Governo melhore seu orçamento durante períodos de alta inflação. Entretanto, a perversidade desta forma de equacionar a dívida pública reside no fato de que o ônus recai sobre a parcela mais pobre da população, que sofre desproporcionalmente mais em processos inflacionários.
Na tentativa de lidar com essa questão, na última semana, o governo apresentou formalmente a proposta do novo arcabouço fiscal, que vem como substituto à antiga regra do teto dos gastos. A nova proposta, que já tinha sido apresentada de maneira preliminar pelo ministro Fernando Haddad há pouco menos de um mês, prevê uma regra de crescimentos dos gastos que é condicionada à variação das receitas.
De forma resumida, o governo pode crescer suas despesas à inflação mais 70% da variação das receitas, com um limite mínimo de 0,6% e máximo de 2,5%. Como punição caso o governo não cumpra as metas estipuladas de superavit primário, as despesas passam a crescer à inflação mais 50% da variação das receitas, ao invés dos 70% originais.
Logo que anunciada, a proposta recebeu uma série de críticas por agentes de mercado. A leitura é de que essa é uma proposta que só contém o crescimento da dívida pública em um cenário de forte expansão da arrecadação do governo, o que, como dito anteriormente, só ocorre com um crescimento excepcional da economia ou com aumento da carga tributária, que é o cenário mais provável. Além disso, a complexidade da proposta, principalmente quando comparada ao teto dos gastos, que era uma regra extremamente simples, diminui a confiança sobre sua execução.
Ainda assim, o anúncio trouxe um alívio para os ativos de risco brasileiros. Depois da proposta, os juros de 10 anos caíram mais de 100 pontos base, a bolsa retomou patamares acima dos 100.000 pontos e o dólar chegou a negociar abaixo dos R$ 5,00. A impressão que fica é de que mais vale uma regra ruim do que regra nenhuma. Apesar de não equacionar o problema, a nova regra traz uma base para que o mercado possa fazer contas e afasta cenários extremos de total descontrole fiscal.
Dado o cenário atual, isso é boa notícia.
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