Uma das marcas dos primeiros 90 dias do governo Lula é o intenso enfrentamento com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Enquanto o presidente da República anseia por criar condições para melhorar as perspectivas de crescimento do país no curto prazo, Campos Neto tenta conduzir a política monetária de forma técnica, dando prioridade ao combate à inflação. Esse embate vem fazendo o mercado questionar a capacidade do Banco Central de tomar decisões com base na técnica, elevando o risco de um início precipitado de corte de juros por pressões políticas.
Pressões para a queda de juros por parte de governantes são normais em democracias e acontecem independentemente do espectro político. Exemplo disso é o cabo de guerra travado entre o ex-presidente dos EUA Donald Trump e o presidente do Federal Reserve quando os juros foram elevados em 2018. O problema é que, em países de instituições mais frágeis como o Brasil, em que a independência do Banco Central é recente, esse tipo de pressão tende a ser ainda mais contraproducente.
Ao questionar a legitimidade do dirigente do BC e tentar impor juros mais baixos a qualquer custo, o governo faz com que os juros tenham que continuar em patamar elevado por mais tempo. Isso ocorre porque, ao tomar a decisão sobre a taxa Selic, o Banco Central leva em consideração, entre outros diversos fatores, as expectativas futuras de inflação.
Quando analisamos o histórico recente, as expectativas de inflação pioram semana após semana, mesmo com o índice corrente em queda, dando um claro sinal de que o mercado está perdendo confiança na capacidade do BC de combater a inflação.
Na última reunião do Copom, que decidiu por manter a taxa Selic em 13,75%, o BC fez uma tentativa de reafirmar sua credibilidade ao escrever um discurso duro, deixando em aberto, inclusive, uma nova alta de juros, caso necessário.
Entretanto, com a tendência de queda do IPCA nos próximos meses, fazendo com que os juros reais fiquem em patamares ainda mais elevados, as pressões do Poder Executivo sobre Campos Neto devem se intensificar, de modo que é difícil dizer até quando o BC conseguirá ficar blindado das influências políticas. Contribui ainda para isso o fato de que o governo indicará dois novos diretores para a instituição, nomes que, provavelmente, serão mais alinhados a uma visão de flexibilização da política monetária.
Assim, o resultado de toda a incerteza sobre a ação independente do Banco Central é uma piora das condições financeiras do país, sendo o principal sinal a precificação de juros mais longos por mais tempo.
Se caminharmos para um cenário em que o BC cede às pressões políticas, o risco é desancorar ainda mais as expectativas de inflação e tornar as condições financeiras ainda mais restritivas, justamente o inverso do pretendido pelo governo. Seria um clássico erro de política monetária que já cometemos em um passado não muito distante.
É inegável que os juros estão atualmente em patamares restritivos e que, portanto, provocam diversos efeitos adversos na economia. No entanto, o caminho para que eles possam cair de maneira estrutural passa por endereçar as questões fiscais do país, diminuir o ruído e fortalecer as instituições.
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