Cirurgia de redesignação sexual no Brasil chega a custar R$ 45 mil

O preço da mudança é alto e faltam locais para tratamento especializado

Publicado em 19/06/2018 às 20h01
Atualizado em 29/01/2020 às 17h52

Textos: Diná Sanchotene, Guilherme Sillva, Mariana Perim e Siumara Gonçalves

Fotos: Marcelo Prest

Ela se olha no espelho e vê um homem, mas se sente uma mulher. Ele se olha no espelho e vê uma mulher, mas se sente um homem. Esse objeto que reflete a imagem, para muitas pessoas transexuais, é um inimigo. Por isso que o sonho da cirurgia de redesignação sexual é um passo importante para que os trans se sintam mais completos.

Porém, para isso, é preciso guardar muito dinheiro e passar por um longo processo, já que o procedimento cirúrgico não é barato e muito menos simples.

No Brasil, para uma mulher trans passar pela redesignação sexual - como é chamado o procedimento que modifica as características dos seus órgãos sexuais do masculino para o feminino -, clínicas particulares que ofertam o serviço chegam a cobrar R$ 45 mil para a cirurgia.

Se em hospitais particulares a cirurgia ainda tem custo alto, no Sistema Único de Saúde (SUS) a intervenção é oferecida de forma gratuita para homens que querem fazer a redesignação sexual para mulher trans. O procedimento cirúrgico para homens trans, no entanto, só pode ser realizado por hospitais universitários, por ainda ser considerado uma técnica ainda experimental.

No Espírito Santo, o Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes (Hucam) é a única unidade hospitalar pública credenciada a realizar as cirurgias gratuitas. Porém, há mais de um ano elas não são mais realizadas.

De acordo com a direção do hospital, em 20 anos de projeto, foram realizadas 43 cirurgias. O Hucam já foi considerado uma referência nessa cirurgia, mas os profissionais que realizavam o procedimento no local foram se aposentando e as cirurgias diminuíram até não serem mais oferecidas.

O médico cirurgião plástico Ariosto Santos, atual chefe do Serviço de Transgenitalização do Vitória Apart Hospital, foi o médico que realizou a primeira cirurgia de redesignação sexual no Espírito santo, em 1998. "Durante alguns anos, as cirurgias só podiam ser feitas em hospitais universitários públicos, mas depois foi permitido que particulares também realizassem. Porém, não há muitos médicos interessados em realizar esse tipo de cirurgia por ser um procedimento elaborado que requer o uso de diversas técnicas", comenta.

ACOMPANHAMENTO

O presidente do Conselho Regional de Medicina (CRM-ES), Carlos Magno Pretti Dalapicola, complementa que a cirurgia é "de alta complexidade pela região anatômica envolvida". Ele divide o processo de redesignação sexual em três momentos. "No primeiro, a pessoa passa por uma avaliação multiprofissional e realiza acompanhamento por dois anos. No segundo, ela realiza os procedimentos cirúrgicos e, por último, começa a tomar os hormônios", explica.

Antes de fazer a cirurgia, o interessado precisa passar por, no mínimo, dois anos de acompanhamento psicológico, psiquiátrico e de assistentes sociais. O processo é parte fundamental para que a pessoa trans se adapte à ideia das mudanças no seu corpo.

Em março deste ano, o Ambulatório de Diversidade de Gênero do Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes (Hucam) acompanhava 120 pessoas que pretendem fazer a cirurgia de redesignação sexual no Estado, mesmo que não seja mais oferecida

EXTERIOR

O custo alto da cirurgia no Brasil também tem levado pessoas transexuais a se aventurarem pelo mundo em busca de um procedimento mais barato e rápido. Um dos principais destinos das mulheres trans é um hospital da Tailândia. Nele, a cirurgia de redesignação sexual custa em torno de R$ 29,3 mil.

A população transexual, no entanto, na maioria das vezes não tem condição de arcar com os custos da cirurgia dentro ou fora do país devido ao alto preço e à baixa oferta.

É por isso que muitas delas adiam o sonho da transformação, mas optam por outros procedimentos mais baratos, como plásticas para afinar o rosto ou a colocação de próteses de silicone.

Mais de 46,3% das mulheres trans da Grande Vitória já realizaram implante de mamas e 33,7% pretendem realizar a cirurgia. Os dados da Pesquisa sobre Homens Transexuais, Mulheres Transexuais e Travestis do Instituto Jones dos Santos Neves também revelaram que apenas 12,6% realizou a cirurgia de construção vaginal (neovaginoplastia) e 25,3% querem realizá-la. Outros 55,8% não pretendem fazer o procedimento.

No corpo de um homem trans (mulher de nascimento, mas que se identifica como do sexo oposto), as mamas são um dos maiores incômodos. Muitos usam faixas elásticas, ataduras ou sutiã esportivo para conter os seios. Mais de 92% dessa população ainda não realizaram o procedimento de retirada das mamas, mas pretendem fazê-lo. E quase 30% já retiraram o útero e ovários (histerectonomia).

MÉDICOS ESTÃO SEM INTERESSE EM REALIZAR CIRURGIA

"O Conselho Regional de Medicina (CRM) só começou a permitir esse tipo de procedimento em fevereiro de 1997. Desde 1984, operamos muitas mulheres que nasciam sem vaginas, a chamada síndrome de Rokitansky. Em 1997, já tínhamos alguns pacientes transexuais, mas não podíamos operar ainda. Tínhamos um paciente que estava há dois anos sendo preparado e não poderia operar. Em janeiro de 1998, operamos o primeiro paciente. Fizemos uma transgenitarização ou redesignação sexual. Existe o transexual masculino e o feminino.

Cerca de 90% dos que já operei são transexuais que têm um pênis e querem ter a genitália feminina. Durante alguns anos, as cirurgias só poderiam ser feitas em hospitais universitários públicos, mas depois foi permitido que particulares também realizassem. Porém, não há muitos médicos interessados em realizar esse tipo de cirurgia. É um procedimento elaborado e que requer o uso de diversas técnicas.

De 1998 até 2018, operei cerca de 76 pacientes, sendo que quatro fizeram automutilação. Mas, esse paciente que se automutila, quando está sendo acompanhado no programa pré-operatório, volta para o final da fila porque precisa ser melhor avaliado pela psiquiatria, além de que com a mutilação ele retirou a matéria para realizar o procedimento. Só tivemos cinco casos de homens trans.

A cada 100 pessoas que procuravam o ambulatório da Ufes, só cinco tinham o perfil para realizar o procedimento. Esse tipo de cirurgia é irreversível, então, tem que estar muito bem preparado. Não tivemos casos de suicídios ou de pessoas que quisessem voltar ao sexo de nascimento. O procedimento pode ser feito em pessoas com mais de 18 anos, a cirurgia leva entre 3 horas e 3h30, a internação hospitalar é de 3 a 4 dias, e é preciso passar por, no mínimo, dois anos de acompanhamento médico. Como há poucos lugares no Brasil, muitas pessoas vinham morar no Estado para poder fazer o procedimento pelo SUS". (Ariosto Santos, cirurgião plástico pioneiro na cirurgia)

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