A pandemia do novo coronavírus no Brasil ressuscitou no Congresso uma pauta antes restrita à esquerda, a de taxação de grandes fortunas, e ainda deslocou o foco dos parlamentares a outra potencial fonte de recursos para conter a crise: o lucro de empresas bilionárias.
Embora alguns projetos continuem tendo a digital da oposição, começa a haver uma movimentação de partidos de centro e independentes em defesa principalmente da aplicação do empréstimo compulsório de parte do lucro de empresas.
A adoção desse recurso está prevista na Constituição, que diz que a União pode, mediante lei, instituir empréstimos compulsórios para atender a despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública. É o caso da pandemia provocada pela covid-19.
O dinheiro, conforme prevê o texto constitucional, só pode ser aplicado em ações relacionadas ao evento que gerou a necessidade de estabelecer o crédito obrigatório sobre empresas.
O projeto de lei que institui o empréstimo compulsório foi apresentado na segunda-feira (23) pelo deputado Wellington Roberto (PL-PB), líder do partido na Câmara.
Segundo o texto, empresas domiciliadas no país com patrimônio igual ou superior a R$ 1 bilhão estariam sujeitas à medida.
Se a proposta for aprovada, permitirá ao governo cobrar dessas companhias valor equivalente a até 10% do lucro líquido apurado nos 12 meses anteriores à publicação da lei.
Estimativa do gabinete do congressista indica que esse montante pode alcançar R$ 19 bilhões.
Esses valores deverão ser pagos em até 30 dias a partir da publicação da lei. O percentual incidente sobre cada setor seria definido pelo Ministério da Economia.
Se o montante superar R$ 1 milhão, a empresa poderia dividir o pagamento em até três parcelas mensais e sucessivas.
Segundo o texto, o governo pode devolver os valores aos contribuintes em até quatro anos após o fim da pandemia, e corrigidos pela taxa básica Selic. A proposta permite ainda o parcelamento da restituição em até 12 parcelas mensais e sucessivas.
"Pelo que eles já ganharam aqui e fizeram em benefício das suas empresas, é o mínimo que eles têm de fazer. Eles tinham de doar isso pela soma e o volume do que eles ganharam, mas não fizeram até agora", diz Roberto.
"Os mais humildes já vêm pagando há muito tempo. Tudo o que acontece nesse país é sempre em cima de quem bota dinheiro na economia, que são os mais pobres. Os mais ricos só contribuem para concentrar mais a renda no país", afirma o líder do PL.
O deputado ressalta que não se trata da criação de um imposto compulsório sobre as receitas das empresas e diz que, se o projeto for aprovado, caberá ao Executivo decidir se vai tomar os empréstimos ou não.
O líder do PP, Arthur Lira (AL), apresentou um pedido de urgência à tramitação do texto.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), resistia a fazer a proposta avançar. Porém, segundo Roberto, se comprometeu a pautar a solicitação para acelerar a análise do projeto na terça (1º).
O líder do PP também reforça que a proposta não trata de taxar grandes fortunas, porque é voltada especificamente a empresas.
Partidos como o Republicanos já declararam apoio à medida. O MDB deverá se reunir na próxima semana para decidir se seguirá esses congressistas, mas tende a apoiar.
No PSD, também há parlamentares, como Fábio Trad (MS), que querem ver o texto aprovado.
Outros partidos, como o Novo, que tem como fundador o empresário João Amoedo, já disseram ser contra a ideia.
Senadores também consideram a medida válida.
"Está desenhado na Constituição para isso. Para que você possa buscar uma fonte de recursos para uma emergência. Como é compulsório, esse valor vai retornar ao contribuinte. Não é um confisco, não é um sequestro de bens", afirma o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). "E me parece uma solução técnica bastante aplicável a esse momento que estamos vivendo."
Em outra frente, voltou a ganhar força a discussão sobre a tributação de grandes fortunas, também prevista na Constituição.
No Senado, a matéria está mais avançada. Na semana passada, projeto do senador Plínio Valério (PSDB-AM) recebeu parecer favorável do relator do texto, senador Major Olímpio (PSL-SP).
A proposta, restrita a pessoas físicas, define como grande fortuna aquela cujo patrimônio líquido exceda em 12 mil vezes o limite mensal de isenção do Imposto de Renda.
Conforme a tabela do IR de 2020, a faixa de isenção vale para quem tem renda mensal de até R$ 1.903,98. O imposto, portanto, incidiria sobre quem tem patrimônio líquido de R$ 22,8 milhões.
As alíquotas variam de 0,5% a 1%. A expectativa de arrecadação é da ordem de R$ 70 bilhões a R$ 80 bilhões por ano.
"É o momento de quebrarmos esse tabu. O Estado teria dezenas de bilhões a mais em seus cofres para tratar de problemas para os quais nunca tem dinheiro suficiente. Por exemplo, no combate a pandemias como a que enfrentamos agora. Ou aprovamos agora ou nunca", afirmou o senador tucano.
Apesar do parecer favorável, o relator do projeto incluiu no texto que o imposto terá duração de dois anos. Também definiu que metade dos recursos arrecadados deverá ser destinada ao Fundo Nacional de Saúde. Além disso, 25% iriam para o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e 25%, para o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza.
Além disso, o imposto teria o efeito de aumentar a arrecadação no médio prazo. O princípio da anualidade faz com que mudanças no Imposto de Renda só passem a valer no exercício seguinte.
Na Câmara, os projetos ainda têm tramitação mais lenta.
O presidente da Casa já declarou em algumas ocasiões que a tributação de grandes fortunas não está na agenda. "Eu nunca tratei de grandes fortunas e não vou tratar", disse, em fevereiro, após evento na Associação Comercial do Rio de Janeiro.
Congressistas, porém, veem mais adesão à ideia neste momento, principalmente diante da necessidade de recompor a economia brasileira após os efeitos da crise provocada pelo novo coronavírus.
Autora de um dos projetos que versa sobre taxar grandes fortunas, a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), líder do partido na Câmara, afirmou que a proposta traz justiça tributária.
"A gente vai sair com outro olhar da crise. E é bom para levantar o debate e chamar a responsabilidade de todo mundo", afirmou.
O projeto da deputada prevê a incidência de imposto sobre pessoas físicas com patrimônio líquido superior a R$ 5 milhões. As alíquotas variam de 0,5% a 5%.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta