Os cinco dias do encontro anual do Fórum Econômico Mundial, em Davos, chegaram ao fim nesta sexta (24) com uma acentuada divisão entre os que veem a crise ambiental como um problema urgente e os que reconhecem o problema, mas afirmam que sua urgência é superestimada -caso do governo do presidente Jair Bolsonaro. Restaram também algumas dúvidas no ar gelado dos Alpes Suíços.
Mas, em um encontro com poucos destaques políticos, um cenário global morno e menor número de chefes de Estado e governo do que de costume, o Brasil deixou Davos melhor do que entrou, ao menos em termos de atratividade para investimentos.
Apreensões quanto ao país enumeradas no ano passado, sobretudo em relação à estabilidade democrática e à viabilidade da execução das reformas prometidas, neste ano pareceram mitigadas. Em parte, isso se deveu ao desempenho do ministro Paulo Guedes (Economia), que na ausência de Bolsonaro se viu livre de ruídos e no meio das atenções, justamente no lugar onde se sente em seu ambiente: uma reunião de financistas globais.
Ganhou elogios de banqueiros e chefes de organismos internacionais, teve encontros com mais de 50 chefes de grandes empresas globais que avaliam investir no Brasil. Na lista de encontros privados com presidentes de empresas estava Tim Cook, presidente da Apple. Ao ser indagado pela reportagem se estava considerando fazer investimentos no Brasil, o presidente da gigante tecnológica abriu um sorriso largo e confirmou: "Sim". Mas foi interrompido pelo assessor quando começava a explicar as razões. Cook não podia falar à imprensa.
"Parece que pensam que sou mágico", disse Guedes a jornalistas ao relatar a receptividade e a expectativa de executivos de multinacionais à sua gestão econômica. Nos quatro dias em que ficou no fórum, a equipe econômica usou o que pode para vender o Brasil aos estrangeiros: uma reforma da Previdência aprovada, três outras reformas em andamento, com previsão de serem aprovadas neste ano, um relatório mostrando o Brasil como quarto destino dos investimentos globais e dados atestando que o país oferece um mercado interno em recuperação econômica e aberto para o mundo cuja marca hoje é o baixo crescimento com taxas de juros negativas.
Em mais de uma vez, Guedes afirmou que o Brasil estava se estabelecendo como o novo porto, uma nova fronteira, para o investimento global.
No tradicional painel em que trata de cenários para o ano, o Brasil não foi nem citado -para o bem ou para mal. Mas Kristalina Georgieva, presidente do FMI (Fundo Monetário Internacional), pediu cautela a governos, bancos, instituições financeiras em geral. Num momento de economia morna e taxa de inflação no piso recorde, a tendência é aceitar mais riscos por ganhos melhores, e ninguém pode medir as consequências de um movimento em massa nessa direção.
Um novo motor para a economia global, afirmou Georgieva, estaria nos investimentos em energias renováveis e novas tecnologias. Algo na linha do que o ministro das finanças da Alemanha, Olaf Scholz, declarou que seu país adotou. Até 2030, a Alemanha quer que 65% da geração de energia seja renovável. O país vetou o carvão e o próprio governo está disponibilizando recursos para acelerar a transição entre uma das mais antigas fontes de energia da era industrial para uma nova geração de fontes energéticas limpas.
Com um encontro que teve como eixo a crise ambiental e formas de contê-la, sem a presença do titular da pasta para explicar a posição oficial do Brasil, sobrou para o ministro da Economia e sua equipe falar de Amazônia e convencer a plateia presente de que o governo Bolsonaro não prega a destruição da floresta.
Não é a praia de Guedes, e ele teve que explicar depois sua declaração truncada de que se desmata para combater a pobreza, apontando que outros países já o fizeram e que o Brasil teria outras urgências para tratar antes -discurso semelhante ao do presidente dos EUA, Donald Trump ("rejeitem o alarmismo ambiental") e do secretário americano do Tesouro, Steven Mnuchin ("ambiente é um de tantos problemas que temos que enfrentar").
Ainda assim, não chegou a piorar as impressões. A bem da verdade, embora o Brasil tenha sido mencionado em vários dos painéis de temática ambiental e as queimadas na Amazônia tenham sido assunto recorrente, o tom foi mais de inquirir o que o governo brasileiro fará para lidar com o problema do que de culpabilização.
Para isso Guedes tinha uma carta na manga, o anúncio de que o Brasil reabrirá seu Centro de Biotecnologia na Amazônia, no mesmo dia que em Brasília o presidente anunciava a criação do Conselho da Amazônia, a ser gerido pelo vice, Hamilton Mourão. Em nenhum dos casos foi detalhado um plano de ação, mas os anúncios, em entrevistas a jornalistas estrangeiros e palestras a empresários, conseguiram conter as expectativas por ora.
Parece haver também consenso de que o desenvolvimento das populações que vivem na floresta não pode ser esquecido. Aspirante às eleições presidenciais de 2022, o apresentador Luciano Huck afirmou, no painel de que participou sobre os protestos de rua na América Latina, que era preciso pensar na Amazônia das árvores mas também na Amazônia das pessoas.
Se não cobrou diretamente o Brasil, entretanto, o fórum de Davos deixou claro que quem não se adaptar rapidamente ao espírito desses tempos, que após um ano de sucessivos desastres ambientais envolve compromissos com a ecologia, pode se ver em segundo plano na hora que os investidores escolherem onde colocar seu dinheiro.
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), entendeu a mensagem e tratou de colocar seu compromisso com o Acordo de Paris sobre o clima, do qual o Brasil é signatário, no vídeo promocional que sua equipe exibiu a investidores. O tucano deixou Davos com o anúncio da inauguração de um capítulo paulista do Centro da Quarta Revolução Industrial, afiliado ao Fórum, dizendo ter uma promessa de R$ 17 bilhões em investimento de empresas estrangeiras no estado.
O risco ambiental apareceu como preocupação relevante nos prognósticos do Fórum e do FMI, e um grupo de empresas encabeçado pelo Bank of America e a Black Rock anunciou que incluirá indicadores ambientais e sociais em suas prestações de contas. Mnuchin sabe disso, Guedes sabe disso -daí a insistência em, apesar de refrear a urgência, mostrar que seus governos se preocupam com o estado de conservação do planeta.
Junto com a crise climática e a falta de fôlego da economia global, que avança a passo lento e miúdo, o Fórum, em sua 50ª edição, tratou como problemas a necessidade de se produzir uma força de trabalho qualificada para a era da tecnologia e a exacerbação, nas ruas da Europa, da Ásia e da América Latina, da insatisfação com a desigualdade, que por um lado atravanca a economia e por outro pode desestabilizar o cenário político.
Quando se reunir em janeiro do ano que vem novamente nos Alpes, a elite política e econômica global poderá examinar se os novos compromissos assumidos por Guedes terão se cumprido, e se a promessa de Bolsonaro de cuidar da floresta era real, se o acordo entre China e EUA para amainar a guerra comercial, que causou pesadelos em empresas e governos em todo canto do planeta, era para valer e se, ou por que, Trump ganhará um novo mandato.
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