Textos: Diná Sanchotene, Guilherme Sillva, Mariana Perim e Siumara Gonçalves
Fotos: Bernardo Coutinho e Vitor Jubini
Aos poucos, as empresas se adaptam para incluir em seus quadros profissionais trans. É bem verdade que no mundo corporativo nem todos sabem lidar com a diversidade, mas já é visível o esforço de alguns segmentos em adotar políticas que também incluam pessoas que tenham uma identidade de gênero diferente do seu sexo de nascimento.
É o caso de uma empresa capixaba especializada na venda de vinhos pela internet. De acordo com a diretora de RH da companhia, Andrea Conrado, a Wine busca os melhores talentos, mas sem julgamento por sexo.
"A partir deste ano, fizemos um plano mais elaborado com políticas de diversidade e inclusão. Estabelecemos algumas ações importantes como a realização de um fórum de debates com a participação de diversos convidados para compartilharem ideias de gênero. Além disso, temos um grupo fixo na empresa, que inclui de colaboradores a diretores, para que eles possam ser porta-vozes dessas ações", comenta.
A executiva ressalta que o uso do nome social já é uma prática dentro da companhia, apesar de a empresa não ter em seu quadro funcionários trans, atualmente. Mas todos os colaboradores podem escolher como querem ser chamados, inclusive no crachá. "O que importa é como a pessoa se identifica e quer ser chamada. Ainda não tivemos funcionários trans, mas estamos prontos para recebê-los. É preciso pensar na diversidade como um todo", reforça.
Outra empresa que também conta com políticas específicas de gestão para a inclusão da diversidade é a Unimed Vitória. O gerente de RH da cooperativa médica, Cosme Peres, destaca que o trabalho tem como objetivo conscientizar os colaboradores para receber pessoas trans, profissionais com deficiência e estimular a diversidade no ambiente corporativo.
"É preciso entender que um ambiente diverso se torna mais criativo e produtivo. Realizamos eventos de conscientização para acolher esses profissionais da melhor maneira possível. A ideia é abrir portas, sem nenhum preconceito. Se tivermos um candidato trans, ele não será eliminado por conta de sua identidade de gênero", afirma.
A Brasil Center, que atua no segmento de telemarketing, é outra empresa que adota uma política de diversidade de gênero. A companhia tem cerca de 9 mil funcionários em unidades espalhadas por todo o Brasil, incluindo Vila Velha, e, entre os colaboradores, há pessoas trans. Segundo informações da própria organização, o nome no crachá e banheiro unissex já são parte das práticas adotadas.
QUEBRANDO TABUS
A psicóloga e diretora, Martha Zouain, observa que o mundo tem passado por grandes transformações nas últimas décadas, mas os desafios ainda são grandes. Um deles, segundo ela, é preparar pessoas e organizações para a diversidade no ambiente de trabalho.
"O grande desafio do setor de RH de uma empresa começa com a educação e conscientização dos funcionários para um modelo mental sadio e agregador ao negócio, incluindo nesse projeto as pessoas trans. É preciso evidenciar para quem tem o poder de tomar decisões o quanto o foco deve estar no negócio, em resultados e nas competências técnicas e comportamentais que vêm como alavanca para a busca de resultados, independentemente da orientação sexual, por exemplo. Qualquer tipo de pré-conceito é limitante e deve ser radicalmente banido", diz.
Para combater a discriminação, empresas de grande porte criam suas próprias políticas de inclusão. Esse é o caso da Gol Linhas Aéreas, Carrefour e Riachuelo. Na Gol, por exemplo, uma mulher trans teve a oportunidade de retornar ao trabalho que ama. Nicole Cavalcante, 34 anos, é a primeira comissária de bordo trans de uma companhia aérea.
Há oito anos, ela trabalhava com sua identidade masculina. Há quatro, se descobriu mulher trans e precisou se afastar por três anos. Mas, em março deste ano, retornou para a empresa como mulher. Além dela, outras duas mulheres trans trabalham na empresa.
Outro tipo de política inclusiva é a criação de programas para capacitar pessoas trans. Desde 2015, o Carrefour tem um programa que faz parte da Plataforma Valorização da Diversidade da empresa. Com ela, a rede formou 51 pessoas e, dessas, 17 foram contratadas pela marca. Em todo o país, são 30 transexuais trabalhando nas lojas.
"É PRECISO AÇÕES ESPECÍFICAS VOLTADAS PARA AS PESSOAS TRANS"
Respeito, oportunidade, compreensão e igualdade. Quem não deseja que essas palavras façam parte da realidade do ambiente de trabalho? Discutir, criar políticas públicas e realizar ações em prol das pessoas trans são ações fundamentais para que as ideias se tornem efetivas para essa parcela da população.
"Há uma necessidade grande de ações voltadas para as pessoas trans", defende a procuradora do Trabalho e coordenadora nacional do projeto Coordigualdade do Ministério Público do Trabalho (MPT), Valdirene de Assis. Para ela, é preciso falar e conscientizar mais para que haja respeito aos direitos das pessoas trans e, assim, tenhamos uma sociedade plural e de convivência harmoniosa.
"As pessoas trans no mercado de trabalho estão mais sujeitas aos assédios moral e sexual, além de discriminação em sentido amplo“, destaca. “Temos normas nacionais e internacionais que coíbem todo tipo de discriminação. Havendo constatações que ferem essas regras, usamos a legislação para fazer valer o direito", completa.
O Ministério Público do Espírito Santo (MPES) conta, por sua vez, com uma comissão de direito à diversidade sexual desde 2013. A promotora Celia Lucia Vaz de Araújo, membro desse grupo, destaca que o projeto foi criado com o objetivo de incentivar a igualdade do público LGBT. Ela explica que são realizadas reuniões bimestrais e eventos de conscientização entre os servidores do órgão.
A promotora avalia que o público LGBT alcançou, há alguns anos, conquistas importantes, como o direito de usar o nome social e também banheiros unissex. "Acredito que essa inclusão vem com a conscientização das pessoas. É como a discriminação que acontecia há uns anos com quem usava tatuagem. O preconceito é algo cultural e isso só se muda com informação. A diversidade de gênero mexe com todo mundo. Muitas vezes, as pessoas trans não se assumem por medo de não serem aceitas", avalia.
MAIS DO QUE UM NOME
Desde fevereiro deste ano, transexuais e travestis passaram a ter o direito de alterar o registro civil sem precisar realizar a cirurgia de redesignação sexual ou ter que obter uma decisão judicial para isso. A definição veio do Supremo Tribunal Federal (STF). Com isso, ter o novo nome estampado no crachá da empresa ou na Identidade significa, além de respeito, uma conquista.
Com a decisão, pessoas trans que quiserem alterar seu nome precisam apenas ir a um cartório e solicitar a mudança, sem ser obrigadas a comprovar a sua identidade psicossocial. O único documento exigido é o de autodeclaração.
O nome social também já é aceito para inscrições no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), em matrículas em escolas do ensino básico e na identificação no Cartão Nacional de Saúde (Cartão SUS). Além disso, em dezembro de 2017, foi aprovado o uso do nome social na Carteira de Identidade emitida pelos Conselhos Regionais de Psicologia.
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Mas, segundo Douglas Admiral Louzada, defensor público que atua no Núcleo de Direitos Humanos, a Defensoria do Estado ainda recebe muitos pedidos de ajuda porque vários lugares não respeitam o nome social. "Sistema de saúde, escolas, transporte coletivo e bancos já têm regulamentação, mas ainda há locais onde a população trans encontra resistência."
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