Especialistas em tributação veem um ambiente favorável para uma reforma ampla dos impostos sobre consumo no país, mesmo diante da crise econômica gerada pela pandemia e da proposta reduzida de reforma apresentada pelo governo na última semana.
Segundo tributaristas, há um consenso entre estados e crescente apoio entre municípios pequenos e médios para uma unificação dos impostos em um único Imposto sobre Valor Agregado (IVA), modelo que já é adotado hoje por 168 países.
Eurico de Santi, professor da FGV Direito de São Paulo e diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), cita ao menos quatro motivos que explicam, na sua visão, esse ambiente favorável.
O primeiro deles, diz Santi, é o espólio da guerra fiscal que envolveu os estados nos últimos 50 anos. Com a concessão de benefícios para atrair indústrias dos mais diversos setores, os estados acabaram corroendo sua própria base de arrecadação de ICMS, impostos que travou negociações de reformas anteriores.
Um segundo fator, segundo o tributarista, é a crescente desmaterialização da economia, que aumentou a base de tributação dos municípios, responsáveis pela arrecadação do Imposto Sobre Serviços (ISS), reduzindo a base das unidades da federação.
Diante desses dois pontos, a proposta de criação de um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) como contida na PEC 45 da Câmara -idealizada pelo CCiF- aumenta a base tributária dos estados, que passam também a tributar serviços. Já para os municípios, a base de arrecadação igualmente cresceria, pois eles passam a tributar também mercadorias.
Os municípios de grandes capitais resistem ao modelo, por temerem perder receitas com a tributação sobre serviços nessa economia digitalizada, ressalva o tributarista.
Ele destaca, porém, como um quarto ponto, que estados do Norte e Nordeste também se beneficiariam do modelo de tributação no destino contido na proposta de reforma da Câmara, pois produtos produzidos no Sul e Sudeste e consumidos nas demais regiões seriam tributados na ponta do consumo.
"Isso cria uma brutal desconcentração da arrecadação para os estados consumidores e não industrializados e nem prestadores de serviço", diz Santi, reconhecendo, porém, que esses estados perdem instrumentos de incentivo fiscais para atração de investimentos.
Para Eduardo Fleury, sócio do FCR Law - Fleury, Coimbra & Rhomberg Advogados, a crise e a proposta do governo, podem ironicamente se converter em fatores favoráveis à uma reforma ampla dos impostos sobre consumo no país.
"As grandes reformas tributárias que foram feitas em outros países foram feitas em época de crise e de guerra. Quando as pessoas sentem que podem perder muito, aceitam modificações que representam perdas muito pequenas para elas", diz Fleury.
Já a proposta do governo, que prevê apenas a unificação da PIS e da Cofins - impostos de âmbito federal - sob uma alíquota única de 12%, pode fortalecer o apoio às propostas de reforma em tramitação na Câmara e no Senado, na avaliação do tributarista.
A proposta da Câmara prevê a unificações de cinco tributos (IPI, PIS, Cofins, ICMS, ISS), hoje cobrados por governo federal, estados e municípios, em um IBS com alíquota em torno de 25%. Já a proposta do Senado pretende unificar nove tributos (IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, CIDE-Combustíveis, Salário-Educação, ICMS, ISS).
"Quando você reúne todos os impostos, há setores que acabam ganhando ou ficando na mesma situação. Quando se unifica apenas PIS e Cofins com uma alíquota muito alta, há setores que se sentem mais prejudicados, como o de telecomunicações", exemplifica Fleury.
Já os governos dos estados temem perder espaço na arrecadação do ICMS se a tributação de PIS e Cofins for elevada dos atuais 3,65% para 12%, e por isso também têm preferência pela discussão unificada, como uma forma de garantirem sua parcela da arrecadação.
Apesar do otimismo de parcela dos tributaristas, há quem veja a piora no ambiente econômico como um empecilho para discussões de reformas de um modo geral, o que tende comprometer um avanço mais rápido de uma reforma tributária ampla.
"Tem menos ambiente agora para a aprovação de uma reforma do que antes", avalia Marcus Vinicius Gonçalves, sócio-líder de Tributos da KPMG no Brasil. "No ano passado, teve um movimento muito forte, tanto do ponto de vista da iniciativa privada, quanto político, de um consenso quanto à necessidade da reforma. Ali era o momento ideal", afirma.
Gonçalves avalia que a pandemia também prejudica a discussão. "A pandemia atrapalha porque vamos passar ainda por um período de ajuste das empresas e do governo", afirma.
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