Quando assumiu o cargo, há um ano e meio, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que pretendia privatizar todas as estatais para levantar cerca de R$ 1,2 trilhão, valor suficiente para quitar a dívida pública.
Hoje, somente 18 das 614 estatais estão na lista de privatizações, e nenhuma teve sua estruturação definida. O primeiro leilão está previsto para o fim deste ano.
Sem os estudos elaborados, nem mesmo o valor das empresas pode ser estimado. De capital fechado, não há referência do potencial de arrecadação, uma vez que não existe negociação em Bolsa.
Levantamento feito pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a pedido da Folha de S.Paulo mostra que metade dos 18 projetos incluídos pela gestão Jair Bolsonaro no Plano Nacional de Desestatização (PND) está em fase de estruturação.
Ou seja, só foram contratadas equipes para avaliar o modelo mais apropriado para a venda ou a concessão da estatal à iniciativa privada. Até o momento, nenhum processo foi concluído.
Um deles é o da Emgea, vinculada ao Ministério da Economia e que cuida de contratos imobiliários do extinto Sistema Financeiro Habitacional, principalmente da Caixa Econômica Federal. O leilão está previsto para o quarto trimestre deste ano.
Doze projetos devem ser vendidos no próximo ano. Cinco deles (Correios, portos de São Sebastião e Santos, Parque Nacional dos Lençóis e o de Jericoacoara) nem sequer tiveram editais para a contratação dos estudos. Todos foram incluídos no PND em 2019.
A grande maioria dos projetos incluídos pelo governo Bolsonaro no PND em andamento teve seus estudos de viabilidade econômica realizados na gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB). Também boa parte dos projetos leiloados em 2019 foi herança de Temer.
Isso ajudou Guedes a "bater a meta de privatizar US$ 20 bilhões". Os leilões realizados renderam R$ 78,6 bilhões.
Com as privatizações (venda da empresa) emperradas, o sucesso de Guedes se deve ao Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que conduz um programa de concessões, cujos projetos são mais interessantes à iniciativa privada porque preveem receita certa. Afinal, só não haverá tráfego em rodovias, aeroportos, ferrovias e portos se o país fechar as portas.
A pandemia causada pelo novo coronavírus gerou mais pressão sobre o plano de Guedes.
O ministro, que viu sair dos cofres públicos R$ 826 bilhões para tentar conter a crise no país, anunciou no mês passado sua intenção de realizar ao menos quatro grandes privatizações neste ano: Eletrobras, Correios, porto de Santos e PPSA (Pré-Sal Petróleo S.A.). Os recursos ajudariam a cobrir os gastos, segundo o chefe da Economia.
Nos bastidores, os técnicos envolvidos na estruturação desses projetos afirmam que não há a menor possibilidade de que sejam levados adiante.
Desde o início da gestão do ex-presidente Temer, o governo tenta se livrar do peso que a Eletrobras representa na sua contabilidade.
Reduto político para as bancadas dos estados e fonte de investimentos sociais, especialmente no Nordeste, a estatal renderia R$ 17 bilhões à União, caso a proposta de capitalização (via diluição da participação da União) enviada ao Congresso fosse aprovada. Mas não passou.
O governo preparou uma nova proposta, mas não houve avanços por resistência de deputados e senadores, especialmente do Nordeste.
Nos Correios, existe uma trava legal. Cabe à União o serviço postal, que é, justamente, o que dá prejuízo aos cofres públicos. Na prática, a única possibilidade de venda, neste momento, seria a das entregas, a galinha dos ovos de ouro da estatal.
Nem mesmo no porto de Santos há consenso sobre a privatização. A nova gestão tornou o porto lucrativo, e há projetos de reestruturação que, neste momento, sinalizam para a concessão - algo mais factível, segundo técnicos envolvidos nas discussões.
Os três projetos foram incluídos no PND. Essa exigência legal é o que dá a largada para o início da estruturação da venda por consultorias especializadas, capitaneadas pelo BNDES.
O banco atua tanto na fase preliminar (estruturação) quanto na final, financiamento aos vencedores do leilão.
Será função da empresa contratada pelo BNDES para realizar os estudos definir se a melhor saída será a concessão (contratos de longo prazo) ou a privatização (venda).
Guedes também disse que pretende vender a PPSA, a estatal do pré-sal. Sua meta, além de fazer caixa, é pôr fim ao regime de partilha, sistema pelo qual o governo entra como sócio na produção de petróleo e gás.
Nenhum dos processos tem chance de avançar sem a aprovação do Congresso. Por isso, no fim do ano passado, o secretário especial de Desestatização do Ministério da Economia, Salim Mattar, cogitou enviar um projeto para criar uma espécie de "fast track" (via rápida, em tradução livre do inglês) para a venda de estatais.
Salim queria que o Congresso desse aval para a inclusão automática de uma lista de estatais enviadas pela Economia. Dessa forma, conseguiria furar a fila do PPI, que segue rito próprio incluindo no PND projetos enviados pelos diversos ministérios.
Até o momento, a prioridade são os projetos do Ministério da Infraestrutura, que conduz um programa de concessões (rodovias, ferrovias, aeroportos e portos) com potencial para atrair R$ 250 bilhões em investimentos no período de vigência da concessão até o fim do mandato de Bolsonaro.
Com o projeto de lei, Salim conseguiria que o Congresso incluísse as estatais no PND em vez de passarem pelo PPI.
Uma vez qualificados pelo PPI, cabe aos técnicos do programa com os ministérios realizar estudos de viabilidade econômica. Se ela for confirmada, o projeto é incluído no PND, e o BNDES segue com o processo de estruturação (modelagem do leilão).
Em fevereiro deste ano, o PPI foi remanejado do Palácio do Planalto para o Ministério da Economia, permanecendo sob o controle de Guedes. Essa mudança fez com que Salim desistisse do plano de conseguir um atalho via Congresso.
Além dos entraves políticos, o plano de desestatização de Guedes também sofre com a pandemia, que fez o valor das empresas despencar mundo afora.
Esse foi o motivo que levou o secretário Salim a declarar publicamente, no fim de abril, que o governo só falaria de privatizações no ano que vem. Guedes, no entanto, diz que não pode esperar.
Por meio da assessoria de imprensa, o Ministério da Economia afirmou que também constam da lista de empresas incluídas no PND as estatais ABGF, Casa da Moeda e Ceitec. Esses processos, segundo o BNDES, não estão em andamento.
A pasta afirmou que há variáveis que influenciam os prazos para a elaboração dos termos que servem de referência para os estudos. Dentre elas estão a disponibilidade das informações das empresas necessárias para a discussão da melhor "modelagem de desestatização".
Sobre o processo envolvendo a Eletrobras, a expectativa do ministério é que o projeto seja aprovado pelos congressistas em 2020 e que a capitalização da empresa ocorra no primeiro trimestre de 2021. Os estudos aguardam a aprovação pelo Congresso.
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