Uma proposta em discussão no Senado pode trazer prejuízos aos produtores do Espírito Santo e do Brasil. A ideia é tirar a obrigatoriedade da manutenção de reservas legais nas propriedades rurais privadas.
Atualmente, cada região possui um percentual diferente do que é considerado reserva legal em um território. Na região amazônica, ele corresponde a 80% do terreno. No cerrado, 35%. Já na Mata Atlântica, onde se localiza o Espírito Santo, a reserva legal deve ocupar 20% do território do produtor.
Se a proposta passar, essa exigência deixaria de existir. Hoje o projeto de lei nº 2362/2019 que tem como autores os senadores Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e Marcio Bittar (MDB-AC) , está na Comissão de Constituição e Justiça para análise.
Segundo especialistas, a possibilidade de retirar a reserva legal pode ser economicamente prejudicial ainda que a produção cresça. Se isso acontecer, terá um grande efeito negativo sobre a reputação do Brasil. Nós temos o reconhecimento internacional porque aumentamos a produção sem incluir áreas desmatadas. Existem vários compromissos de empresas e países que só compram de produtores com desmatamento zero. Isso pode reduzir a venda das commodities, avalia o gerente de Certificação Agrícola do Imaflora, Luis Fernando Guedes Pinto.
Além desse fator, existem dois outros pontos que podem impactar negativamente na economia e no meio ambiente. Os autores citam que o Brasil poderia produzir três vezes mais. Porém, se a produção aumentar tanto assim, os mercados de commodities podem entrar numa queda acentuada, derrubando o preço dos produtos, explica Luis Fernando.
Outro fator a ser observado é a perda da diversidade. As florestas têm papel importantíssimo para o ecossistema, sem contar as questões climáticas e microclimáticas, pondera o representante do Imaflora.
Técnicos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) divulgaram uma nota contrária ao projeto. O momento atual é de buscar melhorias e soluções para o aumento da produtividade e da produção agropecuária em áreas já abertas, ou em áreas degradadas nos diferentes biomas brasileiros, em harmonia com a conservação dos recursos naturais. Não cabe apoiar projetos que desmontem ou desqualifiquem a Lei de Proteção da Vegetação Nativa, mas sim de fomentar sua plena implementação, apresenta o texto assinado por mais de 110 técnicos da Embrapa.
PROTEÇÃO
Para o presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares do Estado (Fetaes), Julio Cezar Mendel, investir em desmatamento pode fazer com que a venda de produtos rurais fique mais difícil, tendo em vista que há uma preocupação grande, por parte dos consumidores, em não adquirir produtos procedentes de áreas de desmatamento.
O que a gente precisa é de uma política de incentivo e proteção às áreas de mata. Isso aumenta a oferta hídrica e sem água ninguém produz. É isso que a agricultura familiar defende, completa Julio Cezar.
O mestre em Planejamento e Desenvolvimento e coordenador do curso de Gestão do Agronegócio da UVV, Wallace Millis, também avalia a proposta como negativa.
A questão ambiental tem um componente de irreversibilidade. O que você destrói agora, não dá para recuperar depois. Além disso, o mercado está orientado para boas práticas ambientais. Isso define rótulos, selos e evita barreiras de acesso para os produtos do agronegócio, destaca. No Estado, o professor cita a produção de cacau como uma opção de produção sustentável. Ele pode ser cultivado com outras árvores da Mata Atlântica, o que é econômica e ambientalmente sustentável, conclui.
PROJETO CITA POUCA ÁREA PARA PRODUÇÃO
O texto apresentado pelos senadores Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e Marcio Bittar (MDB-AC) cita que o Brasil tem apenas 30,2% da área destinada para a produção agropecuária. Para eles, essa é uma das justificativas para a redução das áreas preservadas.
Dois terços do território nacional são dedicados à preservação e proteção do meio ambiente. Apenas 30,2% das terras brasileiras são de uso agropecuário: 8% de pastagens nativas, 13,2% de pastagens plantadas, 7,8% de lavouras e 1,2% de florestas plantadas. O restante, 3,5% do território nacional é ocupado por cidades, infraestrutura e outros, apresenta o texto do projeto.
Os Estados Unidos, a nação mais rica do planeta, utilizam 74,3% do seu território para a agropecuária e 19,9% são dedicados à proteção e preservação da vegetação nativa, compara o texto elaborado pelos deputados.
Tanto Flávio quanto Marcio foram procurados para falar sobre o projeto, mas não responderam até o fechamento da matéria.
Na avaliação do engenheiro agrônomo e representante da Federação da Agricultura e Pecuária do Espírito Santo (Faes) no Conselho Estadual de Meio Ambiente, Murilo Pedroni, o projeto não deve trazer prejuízos ao Espírito Santo. Como o Espírito Santo está 100% na área de Mata Atlântica, ele já está enquadrado na área em que o desmatamento é proibido, pondera.
ENTENDA
Como funciona hoje
A reserva legal determina que todo imóvel rural mantenha cobertura vegetal nativa. O percentual da área varia de acordo com a localização.
No Espírito Santo, que faz parte da Mata Atlântica, o percentual a ser preservado corresponde a 20% do total, mas na Amazônia, por exemplo, a área pode chegar a 80% do total.
O que diz a proposta
Pelo texto, a reserva legal deixa de ser obrigatória permitindo que os produtores utilizem toda a área para a produção.
O documento destaca que as Áreas de Proteção Permanente continuam protegidas normalmente.
Por que pode ser bom
Por aumentar a área produtiva, fazendo com que o país aumente o número e a quantidade de produtos a serem vendidos sobretudo no mercado internacional.
Por que pode ser ruim
Por reduzir as áreas preservadas, diminuindo a produção de água e retirando selos de área livre de desmatamento de diversos produtos, o que pode ser uma barreira para exportações. Além disso, se a produção aumentar muito, o preço dos produtos pode cair expressivamente.
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