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Raio X dos agrotóxicos: crianças e bebês são intoxicados no Estado

Raio X dos agrotóxicos: crianças e bebês são intoxicados no Estado

Espírito Santo lidera ranking de contaminação na década

Publicado em 1 de setembro de 2018 às 23:27

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O produtor Diogo Senne, 28, foi para o hospital após aplicação. ( Marcelo Prest )

Do campo para a mesa. Os perigos do uso de agrotóxicos no meio agrícola não atingem somente produtores rurais e outros trabalhadores que o manuseiam. Alcançam também quem vive perto dessas localidades, inclusive crianças e bebês. Isso além dos riscos à saúde de milhões de consumidores de alimentos com esses produtos, ora chamados de defensivos, ora de veneno.

Raio X da década feito por A GAZETA nas contaminações por agrotóxicos agrícolas no Espírito Santo aponta que 22 bebês e 161 crianças foram intoxicadas nesse período, um total de 183 casos com menores de 14 anos registrados pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, e divulgados pelo Atlas dos Agrotóxicos, elaborado pela professora Larissa Mies Bombardi, da Faculdade de geografia da USP.

“No Brasil, um quinto das pessoas intoxicadas são crianças e adolescentes, isso é muito chocante. Foram mais 340 casos a nível nacional de bebês até 12 meses, ou seja, que não se locomovem sozinhos. Essas crianças estão se intoxicando ou porque vivem em áreas próximas à aplicação intensiva ou pulverização aérea, ou o pai e mãe atuam diretamente com esses produtos”, explica a Larissa.

Para além da situação de ter uma criança intoxicada por agrotóxico rural, a professora pondera com preocupação o que isso significa. “É a fotografia da barbárie, que é importante para a gente pensar e considerar sobre o tema. É um grau de vulnerabilidade muito grande”, afirma.

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ESCALADA

De 2008 para cá, as intoxicações no Espírito Santo quase quadruplicaram segundo dados do Sinan, que levam em conta os atendimentos nas unidades de saúde. De 89 registros em 2008, o número saltou para 337 no ano passado.

Na década, foram mais de 2.600 casos de intoxicação por agrotóxicos agrícolas contabilizados, fato que coloca o Espírito Santo como o Estado com mais casos no país proporcionalmente ao número de habitantes. Protagonismo explicado em boa parte pela alta produção agrícola capixaba, sobretudo na cultura cafeeira.

Segundo dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), entre 2008 e 2016 foram registradas 120 mortes por agrotóxicos no Espírito Santo.

Em 2015, A GAZETA retratou o drama das pessoas afetadas pelo uso indiscriminado dos agrotóxicos na série especial “As marcas do veneno”, e desde então nada mudou.

O número crescente se dá por uma piora nas regras e na vigilância desses produtos, acredita a pesquisadora da Fiocruz e coordenadora do Sinitox, Rosany Bochner. “No Brasil são liberados agrotóxicos que não são utilizados em nenhum país, as pulverizações aéreas continuam e a fiscalização não é efetiva. Ou seja, tudo contribui para esse cenário.”

A maioria das intoxicações registradas é aguda, com sintomas mais imediatos e invisíveis, como enjoo, mal-estar, salivação abundante, fraqueza e dificuldade para respirar.

“As principais circunstâncias são acidentes ocupacionais e casos de tentativas de suicídio com esses produtos. No caso do trabalhador, muitas vezes isso não é notificado e sequer identificado”, afirma a médica do Centro de Atendimento Toxicológico (Toxcen), Rinara Machado.

SUSTO

O produtor rural Diogo Senne da Rosa, 28 anos, da comunidade de Comper, em Governador Lindenberg, passou por um susto há um mês. Após aplicar herbicida com a bomba intercostal na sua plantação de café conilon, ele passou mal e foi parar no hospital. No dia, ele se descuidou, admite, esqueceu o equipamento de proteção e não voltou para buscá-lo. “Eu já aplico há 16 anos, mas nunca tive nada porque tomo cuidado, mas dessa vez eu esqueci a máscara e achei que por ser rápido não teria problema. Senti um cheiro forte e tive dor de cabeça e enjoo”, contou.

EFEITO PODE SER PARA A VIDA INTEIRA

Desde 11 anos de idade, o produtor rural Jaldeir Benincá, hoje com 41, trabalha no campo, inclusive aplicando agrotóxicos, sem nenhuma proteção. Por algumas vezes, ele teve intoxicações agudas, com sintomas mais evidentes. Nada que o impedisse de seguir a prática. Mas há três anos ele foi diagnosticado com uma doença muito rara chamada amiloidose cutânea, na pele. A suspeita dos médicos é que ela tenha se desenvolvido em função das longas exposições aos produtos tóxicos.

“Com a doença minha pele ficou hipersensível, então não posso mais vestir roupas grossas nem trabalhar na roça. Se eu aplicar veneno então, fico todo empolado. Com isso, eu tomo vários remédios e até antidepressivo, porque a doença me fez ficar parado em casa, desenvolvendo a depressão”, conta Jaldeir, que mora em Rio Bananal, no Litoral Norte capixaba.

A esposa dele, Laudineide Benincá, comenta como a doença mudou o marido. “Ele ficou muito triste e o nosso relacionamento até mudou, pela doença, que não tem cura e principalmente por ele não poder trabalhar mais”, conta.

Assim como a amiloidose cutânea, há outras intoxicações crônicas que podem acometer quem é exposto aos agrotóxicos, como impotência sexual, infertilidade, depressão, insônia e até câncer, doenças difíceis de serem tratadas e que, em muitos casos, são para o resto da vida.

“Ao longo da vida o trabalhador rural se expõe a vários tipos de agrotóxicos, em diferentes quantidades, e isso pode desencadear essas intoxicações crônicas, que são mais difíceis da gente conseguir acompanhar”, afirma a médica Rinara Machado, do Toxcen.

Jaldeir Benincá desenvolveu uma doença rara após anos aplicando veneno. ( Marcelo Prest )

No Espírito Santo, o município com maior proporção de intoxicações por agrotóxicos agrícolas, segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), é Itarana, com 93 casos entre 2008 e 2017, o que dá cerca de 8,2 registros para cada mil habitantes na década.

Na sequência, os maiores índices são em Venda Nova do Imigrante, Rio Bananal, Itaguaçu, Ibatiba e Laranja da Terra.

Médico há 25 anos em Rio Bananal, Sérgio Gonçalves dos Santos confirma o alto número de casos na cidade. “São cerca de dois por semana que atendo, principalmente trabalhadores após baterem veneno, que inalam aquilo ou tem contato com a pele. Chegam com dor de cabeça, tonturas, falta de ar e vômitos e a maioria precisa até ser internada, em observação”.

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