Textos: Diná Sanchotene, Guilherme Sillva, Mariana Perim e Siumara Gonçalves
Fotos: Bernardo Coutinho
Viviana é professora de alemão e servidora pública em uma universidade federal. Valentina é gerente de infraestrutura de uma prefeitura. Já Rafael passou por uma grande mudança em seu último emprego, como cobrador de ônibus. São três personagens do cotidiano, com histórias de vida distintas e um passado em comum que atravessa desde a aceitação própria até o processo de mudança de sexo. Viviana, Valentina e Rafael são mulheres e homem trans que, muito além do enfrentamento ao preconceito arraigado na sociedade, superaram desafios e hoje estão conquistando oportunidades no mercado de trabalho.
Por muito tempo, a população trans viveu à margem da sociedade, vítima de diversos tipos de violência, ou tentando sobreviver recorrendo à prostituição. A realidade ainda é repleta de discriminação, mas portas e janelas começam a se abrir nas empresas e em órgãos públicos, revelando a importância da inclusão e do respeito no meio corporativo. Conseguir ter voz e lidar com preconceitos ainda são desafios diários. Mas companhias têm apostado na adoção de políticas e práticas de inclusão como forma de adaptação aos novos tempos de diversidade, o que representa uma conquista para as pessoas trans.
Na Grande Vitória vivem quase 300 pessoas que se designam como transgêneros, ou seja, que não se reconhecem no gênero do corpo em que nasceram. Desse total, quase 70% têm trabalho remunerado. Apesar disso, na maioria das vezes, as áreas que se abrem para a colocação dessas pessoas estão ligadas ao trabalho informal ou de baixa qualificação, o que explica parte da baixa remuneração recebida: 29% ganham até um salário mínimo por mês.
Apenas 19,6% das pessoas trans que estão empregadas têm carteira assinada, segundo a Pesquisa sobre Homens Transexuais, Mulheres Transexuais e Travestis da Região Metropolitana da Grande Vitória, elaborada pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN).
Coordenadora de Estudos Sociais do instituto e também da pesquisa – inédita no Estado –, Sandra Mara Pereira destaca que nem o estudo é capaz de englobar as singularidades e as histórias de cada indivíduo. Se por um lado o número de transexuais empregados formalmente é baixo, por outro, é alto o interesse por qualificação. "Ainda que uma parte indique a prostituição como atividade principal ou secundária, há uma sinalização grande do interesse por cursos de qualificação nas mais diversas áreas", salienta.
Viviana Correa
Secretária executiva e professora
"Demorei muito para assumir quem eu era. Durante muito tempo, tinha que agir e me comportar para agradar a sociedade"
Viviana Corrêa já trabalhava com carteira assinada no Centro de Línguas da Universidade Federal do Espírito Santo quando foi aprovada no concurso público da instituição. Foi nessa época que ela passou pela transição, ou seja, quando começou a se expressar de acordo com a sua identidade de gênero, e se tornou uma mulher trans.
"Após um período em São Mateus, voltei para Vitória e fui convidada a dar aulas novamente. Acredito que meu trabalho foi reconhecido, pois a capacidade profissional independe da transexualidade", defende Viviana.
A diretora de diversidade da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH Brasil), Jorgete Lemos, acredita que a recepção às pessoas trans no mercado de trabalho está condicionada ao estilo de gestão adotado pelas empresas públicas ou privadas. "Está ocorrendo uma mudança lenta e gradual. Os movimentos de aliança entre as companhias em prol da categoria impulsionam essa alteração, como o Fórum de Empresas LGBT, criado em 2013, em São Paulo. Hoje, reúne 39 companhias e tem como objetivo ajudar a empregabilidade desse público", observa a diretora.
Para a psicóloga e especialista em carreira Gisélia Curry, o ingresso de pessoas trans no mercado demonstra a pluralidade do mundo do trabalho atual. Segundo ela, as empresas só têm a ganhar ao adotar políticas de inserção.
"Com diversidade, as companhias ganham vantagem competitiva, inovação e oxigenação. O que ocorre, muitas vezes, é que elas têm dificuldades de repensar suas políticas para se adaptarem à nova sociedade. Há um novo personagem no mercado de trabalho, os tempos são outros e todos precisamos estar preparados para a construção dessa mudança", destaca.
A psicóloga se recorda de uma seleção recente feita para uma administradora hospitalar, na qual três dos candidatos eram trans. Um deles desistiu, e os outros dois não foram aprovados em uma das etapas. Apesar da negativa, apenas o fato de terem aparecido pessoas trans para a seleção estimulou a empresa a elaborar uma política própria de inclusão de gênero.
Gisélia Curry
Especialista em pessoas e carreira
"Estudos mostram que as empresas que contam com grupos heterogêneos passam a ter uma metodologia de oxigenação que ajuda no processo criativo e inovador, que é um diferencial competitivo"
Gisélia também ressalta que é "importante lembrar que as ações não devem ser só marketing, precisam de conscientização de toda a equipe, fazendo um bem social com humanização nas políticas de gestão de pessoas", frisa Gisélia.
Em muitos casos, pessoas trans decidem fazer a transição quando já estão trabalhando, conforme lembra a CEO da CKZ Diversidade, de São Paulo, Cris Kerr. O problema, segundo ela, é que as empresas não sabem como lidar com a situação.
"O preconceito no mercado ainda é grande. Se uma pessoa trans se candidata a uma vaga, muitas vezes ela nem chega a participar do processo. No melhor dos mundos, os profissionais deveriam ser contratados pelas competências e não pela identidade de gênero ou orientação sexual. Algumas pessoas querem fazer a transição quando já estão na empresa. O problema, nesses casos, é que a companhia não sabe como lidar com essa situação", pontua.
O professor do Departamento de Administração da Ufes Eloísio Moulin de Souza concorda que ainda há muito preconceito dentro das empresas, principalmente nos postos de alta liderança. Ele observa, porém, que um dos caminhos para a colocação de pessoas trans no mercado também são os concursos públicos.
Devido ao preconceito nas empresas, muitas pessoas trans buscam a inserção por meio de concursos públicos. Esse foi o caso de Valentina Hastenreiter. Aos 29 anos, ela é gerente de Infraestrutura, Transporte e Informática da Prefeitura de Viana. “Fiz um curso técnico em Edificações. Meu primeiro emprego foi no governo do Estado, onde comecei minha transição, aos 23 anos”, lembra. Para alcançar seu objetivo profissional, investiu em qualificação. Para ela, o cargo público era um caminho menos tortuoso de preconceitos. "Estudei para passar em um concurso porque o mercado não iria me aceitar do jeito que sou", conta.
EM CASO DE DÚVIDA ME CONSULTE
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O GazetaOnline preparou um glossário você entender melhor os termos relacionados ao universo LGBT. A diversidade de gêneros e orientação sexual são grandes, então é impostante ficar atento e compreender as diferenças entre cada pessoa.
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