Pela carga dramática deste ano que se encerra, não é exagero dizer que a percepção de futuro nunca esteve tão próxima quanto no aguardado 2021 que se aproxima. É um ano que está sendo encarado como a saída, a luz no fim do túnel, após esses 366 dias (além de tudo, 2020 foi um ano bissexto!) que fatigaram de forma sem precedentes o mundo globalizado.
É como se a virada representasse o fim do suplício, mas a realidade é mais dura do que os simbolismos desta época: 2021 tem tudo para continuar sendo um ano difícil. Mas tudo pode ser amenizado, a depender de como os percalços, que não desaparecerão como mágica à meia-noite, serão enfrentados. Não somente por lideranças políticas, mas sobretudo por cada cidadão, no seio da sociedade.
A vacinação está na ordem do dia, ou melhor, do ano. Não há escapatória: qualquer vislumbre de normalidade a partir de agora está associado à imunização em massa, com um percentual da população suficiente para se atingir a imunidade de rebanho. Não se pode continuar banalizando as mais de 190 mil mortes (até agora) no país, como se a pandemia fosse um pequeno detalhe a importunar os desejos individuais.
E é simples: não haverá recuperação econômica efetiva, tão necessária para haver mais justiça social, sem a garantia da superação da crise sanitária, ou pelo menos do seu controle. Não é uma questão de escolha ou opinião: sem vacina, 2021 corre o risco de ser um adendo de 2020, mais carregado ainda de cinismo e hipocrisia. E não é isso que ninguém almeja, neste momento.
Dá para ser otimista, apesar de saber que o Brasil tem passado um vexame internacional por ter postergado tanto o desenvolvimento de um plano nacional de imunização. O governo federal testemunhou países do mundo inteiro se antecipando na negociação de vacinas, mas permaneceu numa letargia baseada em inação e negacionismo.
O Brasil é um país cujo presidente se vangloria ao afirmar que não será vacinado, institucionalizando o mau exemplo. É paradoxal que um líder que tanto apoiou a manutenção da atividade econômica em detrimento do isolamento, diante da possibilidade de proteger sua população prefira defender uma liberdade individual que só existe como provocação. Não se vacinar não deixa somente o indivíduo desprotegido, é uma questão de saúde pública com a queda da cobertura vacinal. Vale para qualquer doença que possa ser prevenida com vacina.
E, justamente no campo das atitudes individuais, o cidadão deverá estar preparado para continuar com os cuidados que marcaram 2020. Usar máscara, manter o distanciamento social, evitar aglomerações... nem mesmo a vacina, neste primeiro momento, vai liberar as pessoas de uma postura social mais zelosa com elas próprias e com o outro. "Ser vacinado não nos isenta de andar de máscara pelos próximos dois anos", afirmou Margareth Dalcomo, pneumologista e pesquisadora da Fiocruz em entrevista à Folha de S.Paulo. O alerta da médica capixaba não deve ser encarado com pânico, mas como um direcionamento para uma mudança de comportamento menos provisória do que se esperava.
Se a vacinação contra o novo coronavírus estará no centro do debate público, outros desafios continuarão em sua órbita. O Brasil acumula os problemas anteriores à pandemia, que permaneceram estacionados ao longo do ano. 2021 precisa ser um ano mais bem-sucedido no que diz respeito às reformas: as promessas do fortalecimento do Estado, da simplificação de tributos e da desburocratização precisam enfim se concretizar, após dois anos de governo Bolsonaro. Assim como as privatizações e concessões, tão alardeadas e até agora estagnadas. Sem uma articulação azeitada com o Congresso, esses temas permanecerão pendurados em 2021, quando são urgentes.
Com a chegada do presidente Joe Biden à Casa Branca, o país precisa obrigatoriamente reorganizar sua política externa, optando por uma diplomacia mais pragmática e menos ideológica. Para abrir caminhos no comércio externo, também deverá tratar a pauta ambiental com mais zelo. Essa será a grande contrapartida brasileira para qualquer ambição internacional do país.
2021 não será um ano fácil, e justamente por isso o pessimismo deve ser deixado de lado. Já se sabe de antemão quais são os desafios que serão protagonistas do ano que se inicia, governos e sociedade precisam estar preparados para eles. Não se parte para a luta sem a confiança na vitória e a esperança de que é possível superar essa catástrofe que se abateu em 2020. 2021 será um ano da manutenção de alguns compromissos e renúncias, com com a perspectiva de começar a melhorar. A vacina tarda, mas virá, para virar esse jogo.
Este vídeo pode te interessar
LEIA MAIS EDITORIAIS
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.