Dia 23 de março de 2021: o Espírito Santo registra 72 mortes pela Covid-19 em 24 horas. Nunca, desde o início da pandemia em território capixaba, tanta gente perdeu a vida em um único dia. No Brasil, pela primeira vez o número de óbitos diários bateu os 3 mil, chegando a 3.158.
Seria ainda possível fazer qualquer relativização dessa tragédia com números tão superlativos, quando o país se aproxima das 300 mil mortes em pouco mais de um ano de crise sanitária? Infelizmente, muita gente ainda segue esse caminho. Inclusive nas altas instâncias do governo federal. O horizonte é trêmulo.
Quem, nesta terça-feira dramática, não ficou assustado com o status da pandemia no Espírito Santo, certamente ainda tem dificuldades de entender a extensão do problema, mesmo diante dos fatos incontestáveis. Com mais de 7 mil mortes acumuladas desde o ano passado no Estado, é inaceitável que a insensibilidade ainda permeie as atitudes de uma parte da sociedade que insiste na negação da doença.
Todos estão cansados, com as rotinas tolhidas pela necessidade de cumprir protocolos e restrições que simplesmente não existiam há mais de um ano. A impossibilidade de trabalhar, os prejuízos acumulados... nada escapa, são reveses duros demais, que acentuam a pobreza em um país já tão castigado.
Mas há uma fadiga ainda maior, sentida por aqueles que tentam fazer a coisa certa e são rechaçados com uma fúria incompreensível. Não é só a teimosia dos negacionistas; com ela resiste também a displicência daqueles que se orgulham de escapar do senso de coletividade.
O governo do Estado impôs uma quarentena branda, contando com o bom senso das pessoas. Não um lockdown no seu sentido pleno. As restrições para diminuir a circulação de pessoas atingiram sobretudo o comércio e os serviços não essenciais. Basicamente, apostando em uma ação que em 14 dias consiga reduzir a disseminação do vírus a ponto de amenizar a pressão sob o serviço hospitalar, à beira do colapso não só no sistema público. Hospitais particulares e filantrópicos também estão saturados. É doloroso, mas nessa toada quem precisar de atendimento poderá não encontrá-lo, estando suscetível à agonia de uma morte sufocante.
E, para piorar, as sete variantes do coronavírus já comprovadamente em circulação no Estado, de acordo com estudo realizado pelo Laboratório Central do Espírito Santo (Lacen-ES), aceleram a transmissão, o que deveria exigir uma postura mais zelosa dentro da própria quarentena.
Dessas novas cepas, a mais perigosa é a linhagem britânica (B.1.1.7), 62% mais letal que as outras variantes já conhecidas. Por ser mais contagiosa e atingir mais a faixa de 0 a 30 anos, a batalha nesta terceira onda tornou-se ainda mais desafiadora. Ninguém pode afirmar, com total certeza, que não será um paciente mais grave de Covid-19. As mortes de jovens sem comorbidades são cada vez mais frequentes.
Para o mundo, o Brasil está se transformando em um celeiro dessas mutações. O lento progresso da vacinação e o descumprimento do distanciamento social são os ingredientes principais dessa mistura explosiva. A ciência segue buscando respostas, conseguindo muitas delas quase em tempo real, em um esforço sem precedentes para não dar espaço a esse vírus.
Mas sabe-se de antemão que as mutações mais perigosas surgem justamente quando há mais infecções, decorrentes da grande interação das pessoas. A falta de consenso sobre as medidas de prevenção é o que está de fato matando as pessoas. É a ignorância orgulhosa se sobrepondo à racionalidade: com o surgimento de novas linhagens, até mesmo a eficácia das vacinas pode ficar comprometida.
Nenhuma outra causa de morte consegue matar tanto no Brasil quanto a Covid-19 neste 23 de março sombrio, de acordo com levantamento do jornal O Globo. Uma data que deveria ser marcada pelo luto, não fosse o Brasil um país já cotidianamente enlutado, com a omissão de quem comanda o país e a indiferença dos que insistem em negar a doença.
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