A desinformação é a protagonista da crise institucional brasileira

Não é por acaso que o inquérito das fake news seja o pivô das ameaças de Bolsonaro a Alexandre de Moraes.  Última cartada do presidente para evitar remoção de conteúdos das redes sociais foi rejeitada pelo Senado

Publicado em 16/09/2021 às 02h00
STF
Ministro do STF Alexandre de Moraes. Crédito: Rosinei Coutinho/SCO/STF

Um episódio foi especificamente marcante na paralisação dos caminhoneiros, iniciada no dia 7 de Setembro: os vídeos de participantes do movimento celebrando a oficialização de um "estado de sítio" que nunca (felizmente!) chegou a ser concretizado. Comemoração por si só absurda, inserida no contexto das reivindicações antidemocráticas que foram centrais nas manifestações do feriado, mas ao mesmo tempo carregada de ironia, com o veneno da desinformação atingindo em cheio muitos daqueles que fazem dela uma estratégia de manipulação.

presidente Jair Bolsonaro tratou de acalmar os ânimos institucionais dois dias depois, com a carta escrita a quatro mãos com seu antecessor no Planalto, na qual um ministro do Supremo foi nominalmente citado. "Sei que boa parte dessas divergências decorrem de conflitos de entendimento acerca das decisões adotadas pelo ministro Alexandre de Moraes no âmbito do inquérito das fake news." Uma mão foi estendida ao mesmo magistrado que havia sido alvo dos ataques do presidente no Dia da Independência. E vale ter em mente que, no cerne desse embate, também está a desinformação.

As redes sociais são o celeiro do bolsonarismo. O ministro Moraes, em agosto, havia determinado a inclusão do presidente como investigado no inquérito que apura a divulgação de informações falsas, aberto em março de 2019, por decisão do então presidente do STF, ministro Dias Toffoli. Inquérito esse que foi ganhando novas dimensões ao investigar a existência de uma rede de produção de notícias falsas ligada ao bolsonarismo.

O presidente reage com virulência, sob um enviesado conceito de liberdade de expressão que ignora as responsabilidades. Sobretudo por ser ele o presidente da República, o compromisso com os fatos não pode ser abandonado em favor do que é mais conveniente ao seu grupo político. Nada escapa das fake news: a pandemia, o sistema eleitoral... as palavras usadas no ambiente virtual para construir narrativas desconectadas da realidade têm impactos no mundo real. Colocam em risco a própria estabilidade democrática.

Há certa autorregulação das redes sociais que, com timidez, tem apagado conteúdos ou banido usuários que disseminam desinformação de forma voluntária. A leniência desses processos internos, ainda sem a devida transparência, é alvo de críticas. É, de fato, ainda incipiente, mas o próprio presidente já teve postagens apagadas por serem consideradas falsas.

O último movimento de Bolsonaro para manter esse terreno livre acabou de naufragar, com a devolução por parte do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, da Medida Provisória editada pelo governo que criava obstáculos para empresas de tecnologia excluírem os conteúdos que julgarem falsos.

MP promovia uma alteração substancial no Marco Civil da Internet sem o devido debate público. Pior: as questões relativas ao exercício de direitos políticos, à liberdade de expressão, à comunicação e à manifestação de pensamento não podem ter regramento a partir de uma Medida Provisória, um impedimento descrito pela Constituição.

Mentiras, calúnias, difamação... o presidente e seus seguidores têm a liberdade para dizerem as barbaridades que quiserem, mas devem estar preparados para serem responsabilizados judicialmente pelas mentiras que venham a contar. É o que está ocorrendo com o inquérito das fake news no STF, ninguém está acima da lei. Não é uma batalha ideológica. A crise institucional, aparentemente atenuada pela carta de Bolsonaro, tem em sua essência o choque entre o que é verdadeiro e o que é falso e está emoldurada pelas redes sociais.

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