Como a tragédia sempre vem acompanhada, surgem agora os primeiros dados concretos de algo que já se receava desde janeiro, quando o Brasil deu início à imunização contra a Covid-19. Cerca de 1,5 milhão de brasileiros não compareceram aos postos para tomar a segunda dose, segundo o Ministério da Saúde. Além do risco individual, o abandono vacinal representa uma enorme ameaça coletiva, ao criar um ambiente propício para o surgimento de novas variantes da doença, resistentes às vacinas em aplicação.
Com pouco mais de 12% da população vacinada, o número é alarmante. Embora o descuido pessoal contribua, as razões por trás do grande atraso não recaem apenas sobre a negligência dos cidadãos. Escassez de doses, problemas logísticos, dificuldades de agendamento observadas de norte a sul do país, além de uma boa dose de negacionismo, alimentam esse cenário. Em algumas localidades, a taxa de pessoas que não receberam a imunização completa, vencido o intervalo entre as agulhadas indicado pelas farmacêuticas, passa de assombrosos 30%. Com contágio em alta, vacinação a conta-gotas e relaxamento de medidas restritivas em vários Estados, está dada a receita do perigo.
No Espírito Santo, a situação não é tão crítica, mas não deixa de afligir. De acordo com dados do SUS tabulados pela “Folha de S. Paulo”, o Estado está no terceiro lugar do ranking nacional com melhor índice de retorno, atrás de Alagoas e Rio Grande do Norte. Mais de 92% dos vacinados com a primeira dose receberam dentro do tempo previsto a segunda aplicação. Ou seja, quase 8% dos que receberam a primeira dose não retornaram para a segunda. O alerta de epidemiologistas é de que qualquer abandono, mesmo baixo, é preocupante.
O principal caminho para reverter a situação é o mesmo para acelerar o ritmo da imunização no Brasil: garantir mais doses. O governo federal tenta correr atrás do prejuízo causado pela incompetência com que geriu o tema no ano passado, ao desprezar farmacêuticas e protelar acordos, deixando o país no fim da fila em meio a uma disputa global. O caso emblemático é o da Pfizer, que havia oferecido 70 milhões de doses em meados de 2020, mas foi ignorada. Retomada tardiamente, a negociação com a fabricante foi capaz de obter o primeiro lote apenas para junho. Para as vacinas produzidas em território nacional, o obstáculo é a aquisição da matéria-prima de países detentores da tecnologia.
Nas cidades, o desafio é com a dinâmica de distribuição e de agendamento. Os municípios brasileiros ainda levam, em média, 17 dias para aplicar as vacinas já entregues aos Estados pelo governo federal. Esse prazo dilatado acaba freando o ritmo da imunização no país. Também são patentes as dificuldades que moradores de algumas localidades têm enfrentado para marcar a aplicação, em sistemas digitais ou presenciais, às vezes com demora de semanas. O atraso, portanto, pode ser mera questão logística. Para piorar, algumas prefeituras nem sequer têm o controle de quantas pessoas aptas não tomaram a segunda dose, o que torna impossível as buscas ativas dos que realmente desistiram de tomar a segunda dose.
Por fim, há ainda a necessidade de engajamento de todas as esferas do poder em conscientização. Para algumas administrações, basta investimento. Em outros casos, como no governo federal, é preciso uma profunda mudança de postura. O negacionismo encampado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), ateou gasolina na fogueira dos movimentos antivacina, que têm sabotado a cobertura vacinal brasileira desde 2018. De lá para cá, o Brasil nunca mais conseguiu cumprir as metas do calendário infantil. Sem vacinação em massa, o Brasil corre sério risco nesta pandemia de estacionar em um longo e agonizante platô, com efeitos deletérios sobre saúde, economia, igualdade social, educação. A tragédia não anda só.
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