Ao mesmo tempo que causa estranhamento que supermercados tenham passado, nos últimos anos, a buscar formas de proteger as embalagens de picanha para evitar prejuízos com os furtos, basta ao consumidor conferir a etiqueta para entender a razão de os estabelecimentos terem chegado ao ponto de instalarem alarmes e redes de proteção no produto.
A picanha sempre foi um corte mais caro, mesmo assim bastante popular nos churrascos, mas a inflação dos últimos anos a transformou em um item inacessível para muitos brasileiros que antes até a compravam eventualmente. O quilo atualmente pode passar de R$ 200. Como é um produto com alto valor agregado, o setor supermercadista passou a adotar mecanismos de segurança. Os frigoríficos ganharam status de joalheria.
Mas se a picanha virou um artigo de luxo, os demais cortes também tiveram aumentos que fizeram a carne sumir da mesa dos mais pobres. O ano de 2021 teve o menor consumo de carne por pessoa no Brasil nos últimos 16 anos, o que tem levado as famílias a consumirem partes do boi e do frango antes descartadas. Nem mesmo os produtores rurais estão escapando dessa valorização: com a carne tão cobiçada, no fim do ano passado o Sul do Espírito Santo registrou um aumento dos furtos de gado, com um prejuízo que passou dos R$ 60 mil.
No Brasil, há décadas as lojas de departamento passaram a adotar sensores eletrônicos para evitar roubos, mas em supermercados a prática ainda era incomum. Em reportagem deste jornal, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Sesp) e a Polícia Civil informaram não ter dados sobre furtos de carne no Espírito Santo. A Associação Capixaba de Supermercados (Acaps) tampouco disse ter informações sobre subtração de alimentos nos estabelecimentos. Mas, como toda ação causa uma reação, a lógica indica que os roubos devem ser cada vez mais comuns.
No fim de março, uma dupla foi presa ao roubar peças de picanha em um supermercado de Maruípe, em Vitória, alegando que faria um churrasco para moradores de rua. Ambos já tinham ficha criminal por crimes como homicídio e receptação, e um deles, que havia sido liberado na ocasião, voltou a ser preso nesta semana por tráfico de drogas.
Mesmo que o roubo de um produto caro como uma peça de picanha não se encaixe necessariamente como um furto famélico, o possível aumento desse tipo de ocorrências em supermercados é um reflexo também do empobrecimento da população. O alarme na picanha deve soar também como um indicativo da fragilidade social provocada pela redução da renda, acentuada pelo desemprego e pela informalidade. Quem rouba uma peça dessa carne nobre no supermercado não necessariamente está passando fome, mas o ato é um indício de uma conjectura econômica e social desfavorável.
A inflação segue sem dar trégua. O resultado de março foi de 1,62%, o maior indicador para o mês desde 1994, antes da implantação do Real. No ano, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumula alta de 3,20% e, nos últimos 12 meses, de 11,30%, acima dos 10,54% observados nos 12 meses imediatamente anteriores. A carestia atinge em cheio os que têm menos.
A sociedade deve estar atenta: quanto mais se torna necessário repelir os furtos com alarmes e proteção, mais vulneráveis moral e economicamente estão as pessoas. É o sinal que está apitando para os governantes: eles precisam ter como prioridade, diante de um cenário de degradação econômica e social, a melhoria da qualidade de vida da população.
Neste ano de eleição, qualquer pessoa que almeje um cargo público precisa encarar a dura realidade brasileira e saber que os desafios se acumulam. Não há espaço para aventureiros. A picanha com alarme representa um país cada vez mais restrito para poucos, e isso precisa começar a mudar.
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