Do alto do Convento da Penha, tem-se uma das vistas mais lindas do Espírito Santo. Dá para contemplar toda a paisagem ao redor, como o Morro do Moreno e as praias de Vila Velha e Vitória, além da imponente Terceira Ponte. Mas, de lá, também é possível ver um “elefante branco”, que incomoda muita gente. Trata-se do Cais das Artes, que já virou ponto de referência quando o tema é obra parada no Estado.
Seja do alto do Convento seja de perto, para quem passa pela Enseada do Suá, em Vitória, onde está instalado, o Cais das Artes chama a atenção pelo tamanho da construção. Mas também se destaca pela grande quantidade de recursos já consumidos e pela dimensão do problema em que se transformou.
Assim como o Cais, nesta semana outras duas obras, ambas em Cariacica, viraram alvos de processos de representação iniciados pelo Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES) contra órgãos públicos, como informou Leonel Ximenes no último domingo (27).
A ação se dá contra obras que estão paralisadas e sem perspectiva de retomada. E envolve o Departamento de Edificações e Rodovias do Espírito Santo (DER-ES), órgão do governo do Estado responsável pelas obras do Cais das Artes, e a Prefeitura de Cariacica, por conta das construções inacabadas do Centro de Tratamento ao Toxicômano e do Centro de Referência Integrada de Arte-Educação (Criar).
O papel mais importante do TCE-ES nesse processo será cobrar não só explicação sobre as paralisações, mas também ações dos responsáveis, para que façam essas obras voltarem a andar. É preciso tirar esses “elefantes brancos” da vergonhosa inércia em que se encontram. Situação que, além de prejuízo ao erário, provoca constrangimento em quem vive perto dessas construções inacabadas, cercadas por tapumes.
Em relação ao Cais das Artes, especificamente, o tribunal anunciou que vai apurar a conduta do DER-ES por deixar de tomar providências para a retomada da obra ou não justificar tecnicamente os motivos para a não retomada. O gestor ainda será notificado para encaminhar um cronograma de ações com vistas à finalização do empreendimento.
É a esperança para que a novela da construção do Cais das Artes finalmente termine. Anunciada em 2008, pelo então governador Paulo Hartung, a obra tinha previsão de ficar pronta em 2012. De lá para cá, já passou por duas gestões do atual governador Renato Casagrande e outra do próprio Hartung sem que fosse concluída.
Nesse tempo, a empresa inicialmente contratada para fazer a obra faliu. Houve nova licitação. O consórcio ganhador assumiu a construção. Novas paralisações ocorreram. Outra licitação foi realizada e mais uma empresa contratada. O consórcio anterior, porém, não concordou com seu afastamento. Assim, a briga foi parar na Justiça e o Cais permanece “atracado” desde 2015, à espera de uma definição sobre seu futuro.
O investimento na obra, que seria de R$ 115 milhões inicialmente, já havia saltado para R$ 129 milhões até 2018. Agora, estimativas da Secretaria de Estado da Cultura (Secult) apontam que serão necessários mais R$ 70 milhões para finalizar o complexo cultural. Além disso, o desgaste provocado pelo estado de abandono obrigará a realização de reparos na obra. Ou seja, mais dinheiro terá de ser aplicado para recuperar aquilo que já foi construído.
Para resolver esse problema, no fim de agosto o governo do Estado anunciou a intenção de conceder o espaço à iniciativa privada, que poderia explorar o local com a realização de shows e a instalação de restaurantes, por exemplo. Durante a campanha eleitoral, questionado por A Gazeta sobre qual destino daria ao Cais, o governador Renato Casagrande disse que estava tentando fazer um acordo com o Poder Judiciário e o Tribunal de Contas para a retomada das obras. E fortaleceria esse diálogo em um novo mandato. Agora reeleito, espera-se que o governo saia do diálogo para a ação.
O Cais das Artes, porém, é só a ponta mais visível — e mais cara — de um iceberg de obras paradas no Estado. O TCE-ES informou ter fiscalizado 14 construções ao todo. Além das três que se tornaram alvos de processos, foi constatado que cinco estão paradas, mas com os órgãos responsáveis trabalhando pela retomada; e outras seis passaram a andar durante a fase de acompanhamento realizada pelo tribunal.
Essas 14 obras, de acordo com o TCE-ES, já tinham recebido investimento de R$ 172,5 milhões, dos quais R$ 136 milhões foram aplicados justamente nas três obras que estão sem previsão de retomada
A essa lista de obras sem expectativa de retomada podem ser acrescentadas outras, de âmbito federal. No Norte do Estado, dois residenciais do antigo programa Minha Casa Minha Vida, renomeado para Casa Verde e Amarela, estão abandonados. A reportagem de A Gazeta foi até os locais, em setembro, e viu que há 1.500 casas se deteriorando pela ação do tempo, dos cupins, do vandalismo e de incêndios.
As obras dos residenciais foram lançadas em 2010, em Linhares, e 2013, em Sooretama, com previsão de dois anos para a entrega, o que nunca ocorreu. Um dos conjuntos, o Residencial Mata do Cacau, no município linharense, recebeu investimento de R$ 40 milhões e hoje está entre os 35 mais antigos do país com obras atrasadas ou paralisadas.
O estado de destruição e abandono das obras desses residenciais são o exemplo mais claro do prejuízo causado por obras públicas não concluídas. É dinheiro público jogado no lixo. Ou, no caso desses conjuntos, no mato. Afinal, é isso o que dá para enxergar hoje no lugar onde poderiam estar vivendo 1.500 famílias. E quem paga essa conta? Todos sabemos a resposta.
O desperdício de recursos, nesses casos, já se tornou inevitável. Agora cabe à União, ao Estado e aos municípios, bem como a órgãos controladores como TCE-ES e o Tribunal de Contas da União (TCU), impedirem que o valor dessas contas aumente. Quando mais tempo durar a paralisação das obras, maior será o prejuízo. É hora de essas construções inacabadas deixarem de ser símbolos de dinheiro jogado fora e passarem a ser úteis para a sociedade.
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