O que mais impressiona nos relatórios do Serviço Geológico do Brasil, divulgados com exclusividade na última quinta-feira pelo colunista Leonel Ximenes, é a perfeita coincidência da descrição do alerta, realizado pelo órgão desde 2011, com os trágicos acontecimentos em Iconha, Vargem Alta e Alfredo Chaves, em decorrência do temporal do último dia 17.
Estava tudo ali, pormenorizado como o roteiro de um filme-catástrofe que poderia não ter ido para as telas se providências tivessem sido tomadas previamente. A inércia estatal, mais uma vez, não coube em si.
O documento sobre Iconha, datado de 2015, afirmava que o município não estava agindo para conter o avanço de habitações irregulares nas regiões próximas ao leito do rio que leva o nome da cidade. “A subida da água é rápida, levando cerca de uma hora, e a descida um pouco mais lenta, levando de duas a três horas”, dizia o relatório.
As águas que se derramaram sobre a cabeceira do rio comprovaram essa incapacidade de vazão da pior forma possível, com a formação de um tsunami de água doce devastador.
Ao município de Alfredo Chaves, o Serviço Geológico indicou obras estruturais e a demolição de casas já sob interdição da Defesa Civil, a mesma medida apontada para imóveis de Vargem Alta, a primeira das cidades a receber o relatório, em 2011.
O trabalho meticuloso da empresa estatal — cuja função é compartilhar conhecimento geocientífico de interesse público justamente para se antecipar aos fenômenos naturais, cada vez mais violentos e imprevisíveis com as alterações climáticas — foi solenemente ignorado.
O passado, por si só, também tem muito a ensinar aos gestores públicos. Há registro de grandes enchentes em Iconha desde os anos 40. Nas décadas de 80 e 90, imagens resgatadas por este jornal mostram cenas idênticas as de 2020.
Nem mesmo essa reincidência serviu para que se repensasse o modelo de ocupação humana na cidade. Nada muito diferente do que ocorre na maioria dos municípios brasileiros que cresceram desordenadamente ao longo do curso de rios.
As grandes tragédias climáticas serão cada vez mais recorrentes em todo o mundo, e as lideranças políticas já precisam começar a adotar uma postura menos passiva diante do problema. Não podem mais se apegar à imprevisibilidade dos fenômenos naturais para justificar a própria apatia, deverão estar sempre um passo à frente.
O ciclone Kurumí, anunciado para o litoral capixaba, pode servir de exemplo. A ocorrência de ciclones subtropicais na costa brasileira começou a ser mais registrada no início deste milênio, e é preciso estar preparado para a ocorrência de versões mais violentas do fenômeno, com uma ocupação mais ordenada das áreas à beira-mar.
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A prevenção de tragédias maiores, hoje, depende de um novo olhar para o horizonte. E do fim da omissão.
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