O Brasil neste ainda infante 2021 continua padecendo pela insensatez de 2020. Enquanto a imunização contra a Covid-19 já é uma realidade em mais de 50 nações, o descompromisso do governo Bolsonaro com o enfrentamento sério da pandemia segue inabalável. O argumento de manter a economia aquecida, tão propalado no início da crise sanitária, esvai-se pelo ralo diante da inação na aquisição de vacinas. Não há sobrevivência econômica sem uma população protegida e apta a trabalhar e consumir.
Nesta quarta-feira (06), ao afirmar que a compra de seringas pelo Ministério da Saúde está suspensa até que "os preços voltem à normalidade", o presidente Jair Bolsonaro talvez nem tenha se dado conta do quanto a declaração é um atestado de incompetência de sua gestão. O silêncio, apesar de omisso, teria sido mais generoso.
Bolsonaro não só ignora o princípio mais notório das ciências econômicas, a relação entre oferta e demanda (o que Paulo Guedes teria a dizer sobre essa derrapada de seu patrão?), como se aproveita dos entes federativos que, com visão gerencial, anteciparam-se e garantiram suas reservas.
"Estados e municípios têm estoques de seringas para o início das vacinações, já que a quantidade de vacinas num primeiro momento não é grande", justificou-se o presidente, em uma postagem no Facebook. Os mesmos Estados e municípios tão demonizados pelo próprio Bolsonaro em 2020 agora são os salvadores da pátria. Durante a pandemia, via de regra, sempre foram.
O Espírito Santo é um desses entes. Sabendo que o esforço mundial pelo desenvolvimento de vacinas não tardaria em encontrar algumas com eficácia e segurança comprovadas, o governo Casagrande adquiriu previamente seis milhões de seringas.
Já o governo Bolsonaro preferiu passar todo o ano de 2020 ignorando a ciência e, por conseguinte, deixando de se planejar para o momento em que a vacina fosse uma realidade. Resultado: enquanto mais de 12 milhões de pessoas já receberam ao menos uma dose ao redor do planeta, no Brasil do negacionismo e, principalmente, da inépcia, não há vacina. E, se há seringa para aplicá-las, o mérito não é do governo federal.
Esse último episódio de sandices governamentais só reforça o caráter indecifrável do Planalto. No início da crise sanitária, Bolsonaro fez questão de priorizar a manutenção da atividade econômica, e para isso recorrentemente minimizou a gravidade da doença. Elegeu um elixir milagroso sem comprovação científica como escudo, desprezou o uso de máscara e se voltou pessoalmente contra o isolamento.
Quando, enfim, as vacinas - que não previnem somente a doença, mas garantem a segurança da própria atividade econômica - começaram a ser aprovadas e aplicadas, a inoperância governamental se manteve. Não fica claro como se friccionam o negacionismo e a incompetência, qual o percentual de cada um deles na inação que segue firme em 2021.
Bolsonaro já deu o mau exemplo ao dizer que não vai se vacinar. Entre agosto e dezembro, o índice de brasileiros resistentes à imunização contra a Covid-19 saltou de 9% para 22%, o que é assustador em um país no qual o comprometimento da população com campanhas de vacinação conseguiu erradicar doenças como a poliomielite. Sem falar na própria tradição sanitária do país, com capacidade de implantar programas de vacinação com cobertura invejável em todo o mundo. Em defesa de uma liberdade individual que renega a própria concepção de vida em sociedade, testemunha-se um retrocesso.
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Bolsonaro é uma esfinge no que diz respeito às suas intenções e ao seu entendimento da realidade, mas seu despreparo é patente, indubitável. A "gripezinha" segue matando mais de mil brasileiros por dia, com o país prestes a atingir as 200 mil mortes desde o início da pandemia. E o governo federal segue negando o inegável... no mundo inteiro, vacina e ideologia de governos deram uma trégua. Destaques para Estados Unidos (ainda com Donald Trump) e Israel, países com os quais Bolsonaro fez questão de se alinhar, já em franco processo de vacinação. O Brasil é um pária até mesmo entre os seus.
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