Não bastasse a tragédia sanitária provocada pelo novo coronavírus, a desinformação, com seu potencial viralizante, tem se aproveitado como um parasita das vulnerabilidades impostas pela pandemia para atacar com mais vigor adversários políticos e instituições. A boa notícia é que Isaac Newton estava certo: a reação tem sido na mesma proporção, num esforço inédito de articulação social, institucional e mercadológica para conter essa doença informativa que se infestou no ambiente digital neste século.
No Espírito Santo, a exposição por este jornal de um "gabinete do ódio" estadual comprovou que há uma rede bem estruturada para a disseminação de notícias falsas também em nível local, via WhatsApp. Na linha de frente, servidores de gabinetes de deputados estaduais e federais têm a tarefa nada republicana de atacar com desinformação quem não se alinha politicamente ao presidente Jair Bolsonaro.
Os alvos vão do governador Renato Casagrande, passando por secretários de governo e chegando a instituições, como o Supremo Tribunal Federal, que nunca sai da mira. Os mecanismos se equiparam às estratégias de desinformação que se espalham de forma planetária.
E a liberdade de expressão? O direito inalienável, garantido pela Constituição, não tem nada a ver com isso. Disseminar mentiras de forma deliberada e organizada não pode ser nem minimamente associado à liberdade de expressão. A falsidade que adjetiva essas informações distorcidas não ancora a liberdade de expressão, visto que existem primordialmente para enganar e ludibriar, esfumaçando o debate público.
O método da desinformação só tem êxito pelo alcance das redes sociais na sociedade contemporânea. Sem que haja qualquer regulação, as gigantes de tecnologia têm lavado menos as mãos com a pressão crescente por mais responsabilidade, principalmente a partir das eleições americanas de 2016, mas ainda são um ambiente permissivo a esse tipo de ação.
Diante do crescimento da indignação popular ao redor do mundo, o mercado acabou se vendo impelido a reagir com firmeza. Isso porque grandes marcas acabam associadas a páginas e sites que disseminam fake news em redes como Facebook, Twitter e no ambiente do Google em função da publicidade programática.
O boicote de mais de 300 grandes anunciantes, gigantes planetárias como Unilever, Coca-Cola e Pfizer, ao Facebook é um movimento sem precedentes no mercado publicitário. A suspensão de veiculação de anúncios desde a quarta-feira não se restringe ao mercado norte-americano, o Brasil também está sendo afetado.
As empresas não querem arcar com os arranhões profundos em suas imagens. E isso por quê? Por causa da insatisfação dos consumidores com as mentiras que tomaram conta do ambiente virtual, fortalecendo discursos de ódio e racismo. A indignação cria uma reação em cadeia.
É um movimento inédito em todos os níveis. Enquanto as empresas fazem as plataformas digitais sentirem as perdas de receitas, as instituições também se mobilizam. No Brasil, o Congresso está atento: o Senado acabou de aprovar, por 44 votos a 32, o Projeto de Lei 2.630/2020, para combater a disseminação de notícias falsas. No Supremo, o esclarecedor inquérito das fake news acaba de ser prorrogado por mais seis meses.
No Espírito Santo, está havendo reação ao "gabinete do ódio" local na própria classe política, e o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) já anunciou que vai apurar a atuação de servidores na concepção e no disparo de fake news.
É o espírito do tempo, quase um congraçamento de reações paralelas do nível local ao mundial. O mau uso das redes sociais por uma vertente política que flerta com os extremismos, minando o debate público com falsidades, tem feito mal à democracia não só no Brasil, como se vê. É uma estratégia covarde, camuflada.
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O rechaço ganha força porque a situação se tornou insuportável na pandemia, quando a união esperada para a superação dessa crise deu lugar à discórdia que emerge dos subterrâneos da desinformação.
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