A pirraça é quase sempre a insistência no erro por mera vaidade, não necessariamente por ignorância. O ignorante recua quando aprende. Quando 2020 começou a se apresentar como um ano atípico, atravessado por uma crise sanitária que exigiria medidas duras, mas necessárias, esperava-se do presidente uma maturidade que não só permaneceu ausente, como tem regredido sistematicamente, e o mais recente episódio de transferência de responsabilidades na pandemia a governadores e prefeitos, materializada no famigerado ranking elaborado pela Secretaria de Governo (Segov) da Presidência da República, mostra um nível de infantilidade inaceitável para qualquer governo sério.
A lista foi baseada em dados do Ministério da Saúde do último sábado (08). Na ocasião, o Brasil ultrapassou os 100 mil mortos pela Covid-19, intensificando-se as críticas ao governo Jair Bolsonaro em diversos setores da sociedade civil. O ranking, associando cada Estado e alguns municípios ao número de casos e de óbitos daquele sábado, mostrou-se como uma estratégia pueril de culpar governadores e prefeitos, amparada na falácia de que Supremo Tribunal Federal impôs aos entes federativos a responsabilidade sobre as políticas de combate ao coronavírus, deixando o governo federal de mãos atadas.
Bolsonaro brinca com a inteligência de qualquer interlocutor (existe algum?) quando insiste no argumento fantasioso e contamina seus apoiadores ainda fiéis. O que o STF tornou límpido com a decisão foi o caráter federativo desta nação, com responsabilidades compartilhadas dos seus entes, impedindo que Bolsonaro vetasse por canetadas que Estados e municípios agissem, principalmente no que diz respeito ao isolamento social, medida adotada em todo o planeta para conter o contágio.
O Supremo não tirou poder do governo federal, o que seria de fato escandaloso, apenas expôs suas delimitações constitucionais e apontou a necessidade de coordenação que nunca foi exercida.
Com essa fábula, continua-se a perder um tempo precioso para tentar ocultar a responsabilidade de um governo que nem sequer foi capaz de manter um ministro da Saúde competente durante uma pandemia. Pelo contrário, fez questão de desmoralizar e demitir o chefe da pasta que conseguiu algum resultado exercendo uma benéfica liderança, amparada por critérios médicos, científicos e administrativos.
O negacionismo tornou o Planalto inoperante na sua batalha mais relevante. Governadores e prefeitos podem ter errado, há más decisões e casos de corrupção expostos, mas no geral fizeram e estão fazendo o que podem, mesmo sem a coordenação de Brasília. Vale destacar também a atuação do Congresso, protagonista do auxílio emergencial e do socorro aos Estados e municípios, enquanto o Planalto permanecia prostrado, afogado em suas própria convicções infundadas.
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A máscara no queixo e a caixa de cloroquina apontada para as emas do Alvorada são o retrato dessa teimosia, tão desgastante para o país quanto a própria falta de ação. Se há qualquer pedido por bom senso, Bolsonaro prefere o histrionismo. A divulgação revanchista do ranking não tem nenhum resultado palpável para a população, é provocação pura e simples. Como se houvesse tempo a perder com uma guerra tão mesquinha de narrativas.
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