A imagem de um projétil caindo aos pés de um padre durante a celebração de uma missa na Igreja Matriz de São José, em Vitória, é estarrecedora, ao mesmo tempo que traduz fielmente a realidade da região que é o epicentro da criminalidade na Grande Vitória atualmente. Maruípe é um dos bairros no entorno do Bairro da Penha que acabam vivendo em constante apreensão diante do domínio nada silencioso de facções criminosas. É o risco de ser vítima de uma bala perdida, somado ao temor de sofrer as consequências de decisões e ações arbitrárias de tribunais do tráfico que exercem o poder nas comunidades. É a rotina do medo.
A Polícia Civil informou que está investigando o episódio, que poderia ter tido um desfecho trágico. Há relatos de que os tiros ocorreram após um dos já tradicionais foguetórios da região, que não cessaram com a proibição da venda de fogos sem identificação do comprador, no ano passado.
Pelas imagens da transmissão da missa, é possível ver que o altar estava ocupado pelo padre Robinson de Castro Cunha, que encerrava a homilia, e um jovem, possivelmente um coroinha. Ambos eram alvos involuntários, que por sorte, fé ou acaso escaparam de ser atingidos. O simbolismo da cena acabou sendo marcante demais. O padre ouve o estampido, encerra seu sermão e se agacha para recolher a cápsula com uma serenidade invejável, mas que deixa escapar a preocupação com o ocorrido.
Os foguetórios e os tiroteios estão presentes na liturgia do tráfico. O jovem que supostamente assessora a missa representa a juventude com propósito, neste caso de seguir o caminho da fé. Tantos outros jovens que vivem por ali foram levados a outros rumos, seduzidos pelo poder do tráfico, cujas lideranças se aproveitam do fato de serem menores de idade para os colocarem na linha de frente do crime. Alguns acabam protagonizando episódios de violência desmedida, que em casos específicos deveriam ter penalidades maiores.
As facções promovem suas próprias regras a ponto de suscitarem reações desesperadas, como o caso reportado por Leonel Ximenes em sua coluna de um homem que, perseguido pelo comando do tráfico na mesma região do Bairro da Penha, entregou-se à polícia portando um pino de cocaína para, ao ser preso, escapar da condenação sumária de morte.
O ato desesperado de se entregar, sem o cometimento de um crime, a um destacamento da polícia é um pedido de socorro. É um grito pela presença do poder público, sendo capaz de pelo menos garantir a inviolabilidade da vida das pessoas que cruzam o caminho desses bandidos. Mas é muito mais do que isso, é também assegurar a dignidade desses cidadãos, com serviços públicos (educação, saúde, infraestrutura urbana) de qualidade e oportunidades.
A bala que invadiu a igreja repousou distante o suficiente de causar qualquer dano, mas a vida de quem vive nessas condições não pode continuar sempre por um triz.
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