Não foram poucas as vezes em que este espaço abordou a tragédia no trânsito, sobretudo com casos de motoristas alcoolizados que provocaram acidentes graves, com mortes, causando comoção pública. A distância entre a indignação e a banalização, em um país atormentado por uma miríade de violências cotidianas, corre sempre o risco de ser curta, e toda reação é bem-vinda.
Com a entrada em vigor do novo Código de Trânsito Brasileiro, na última segunda-feira (12), em meio a mudanças controversas, que têm sido consideradas um afrouxamento da legislação, a determinação da prisão para o motorista embriagado que matar ou provocar lesões corporais no trânsito é uma vitória incontestável. Resultado da atuação do senador Fabiano Contarato, autor da emenda.
Antes, a pena de prisão poderia ser trocada por prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, o que deixava explícita impunidade. A lei acabava privilegiando os mais ricos, com uma obrigação que nem poderia ser encarada como uma punição. Assim, consumir álcool e assumir a direção, para muitos, não deixou de ser rotina. Mesmo que a Lei Seca, sancionada em 2008, tenha conseguido promover algumas mudanças culturais ao volante por meio de regras mais duras, os acidentes graves envolvendo embriaguez continuaram tirando vidas abruptamente.
Para se ter uma ideia do impacto do consumo de álcool no trânsito, um estudo sobre causa de acidentes elaborado pelo programa Respeito à Vida, da Secretaria de Governo do Estado de São Paulo, divulgado no ano passado, apontou que a taxa de mortalidade em acidentes com suspeita de embriaguez é de 10%, mais que o triplo do índice geral de mortalidade no trânsito em São Paulo, de 3%. O álcool é um componente que acentua a letalidade por razões óbvias, mesmo que cada pessoa reaja de forma diferente ao ingeri-lo.
No Brasil, os números são brutais: são cerca de 40 mil pessoas que morrem anualmente em acidentes nas estradas e rodovias. E mais de 400 mil têm o corpo mutilado, com sequelas para toda a vida. No Espírito Santo, a violência não se intimidou com a queda de circulação durante a pandemia, em 2020: de acordo com dados do Observatório de Segurança Pública do Espírito Santo, é possível afirmar que, em média, duas pessoas perderam a vida diariamente no trânsito, no ano passado.
A paz no trânsito só é possível em decorrência de múltiplos fatores associados. Por isso, é necessário exigir um sistema viário de qualidade e seguro, tanto nas rodovias quanto dentro das cidades, assim como a revisão obrigatória de veículos e a educação no trânsito. Mas, sobretudo, são as falhas humanas que precisam ser contornadas a ponto de deixarem de ser regra e se tornarem exceção. A imprudência mata, a embriaguez ao volante também. Mudanças de comportamento são fundamentais para um trânsito mais humano.
Ao mesmo tempo, não se pode contar apenas com a sensatez: o endurecimento da lei se faz necessário para coibir que motoristas bebam e dirijam, mas também para interromper um histórico de impunidade. O Espírito Santo registra o caso emblemático do empresário Wagner Dondoni, que, sob o efeito de álcool, matou uma família inteira em 2008, na BR 101, em Viana, e só foi julgado em 2018. Dez anos depois, como se vê. Foi condenado a 24 anos e 11 meses de prisão em regime fechado. Em fevereiro do ano passado, contudo, deixou a cadeia, após decisão liminar do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Com o novo texto, a substituição da pena de prisão por penas restritivas de direitos, como pagamento de multa ou prestação de serviços à comunidade, está proibida. Para uma casta de privilegiados, no Brasil, não é exagero dizer que nunca houve punição. Agora, há prisão em flagrante prevista.
Assumir a direção de um veículo deve ser algo encarado sempre com responsabilidade, mesmo nos momentos de lazer. A lei está mais dura, mas precisa ser efetivamente aplicada, com celeridade, ou será mais um sinal verde para a impunidade.
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