Não dá para cruzar os braços diante de um problema real: as alterações nos regimes de chuvas e o mau uso dos recursos naturais têm efeitos concretos sobre a disponibilidade de água no planeta. O Brasil atravessa uma crise hídrica que é de conhecimento geral, e o Espírito Santo, que até meses atrás estava em situação um pouco mais confortável, acaba de ser oficialmente colocado em estado de atenção pela Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh).
Os rios responsáveis pelo abastecimento em diversas regiões do Estado estão com volume abaixo da média, em função da estiagem prolongada que, pelas previsões, não deve se alterar muito, mesmo com a entrada do período chuvoso neste mês de outubro, ainda assim com nível de precipitação insuficiente. O Rio Santa Maria da Vitória, responsável pela água de mais da metade da população da Grande Vitória, está perto do nível crítico.
Os alertas não podem ser ignorados, e medidas emergenciais de redução do consumo devem ser adotadas de forma voluntária, para evitar que se tornem compulsórias. Mas, se os impactos dessas ações são pontuais, é necessário encarar a crise da água pelo seu aspecto estrutural.
Sobretudo na indústria e na agricultura, a mudança cultural no uso dos recursos hídricos já é inevitável, sendo primordial a adoção de sistemas de reúso. Medidas inteligentes que não somente reduzem o impacto no meio ambiente, como podem gerar economia. São investimentos que não se perdem pelo ralo.
Dados da Agência Nacional de Águas (ANA) apontam que o setor industrial representa 9,7% do consumo de água no país. No Espírito Santo, o mesmo levantamento mostra que a indústria responde por 2,28% da água consumida, informação que foi repassada pela Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes). E o setor deve se manter comprometido para a redução sistemática desse consumo.
Um exemplo de investimento importante no Espírito Santo foi a inauguração, em setembro, de uma planta de dessalinização da água do mar pela ArcelorMittal, com capacidade inicial de produção de 500 m³/hora de água. O consumo total do complexo industrial em território capixaba é de cerca de 1800 m³/hora. A água dessalinizada será usada em processos de resfriamento da produção da siderúrgica, sem consumo humano.
Também de acordo com a ANA, em 2019, a agricultura irrigada foi a responsável por 52% do consumo nacional de água. A sustentabilidade do próprio negócio diante das mudanças climáticas depende de uma nova mentalidade, mais racional. O agronegócio brasileiro, cada vez mais tecnológico, é capaz de adotar equipamentos e técnicas mais avançadas, com redução que pode chegar a 50%. E a infraestrutura para o reúso na agricultura precisa se disseminar, chegando também aos pequenos e médios produtores.
O poder público tem um papel importante, não só como agente fiscalizador, mas sobretudo na implementação de políticas públicas que estimulem o uso mais racional da água pelos setores produtivos e também pela população. A água é um recurso não renovável que precisa ter a devida importância. Lembrando que a crise hídrica, no país, está conectada com a crise energética. Contribui para a inflação, fortalecendo um ciclo de prejuízos ambientais e econômicos difícil de ser quebrado.
Há uma crise em curso, mas é preciso compreender que ela é sistêmica. Apenas fica mais em evidência em períodos de falta de chuva como o atual, mas não deixa de existir quando os níveis dos rios voltam a subir e a situação melhora. Poder público, setores produtivos e a sociedade devem assumir as suas responsabilidades, pois no fim das contas são justamente os que serão afetados. A boa gestão dos recursos hídricos não é conversa somente para quando a água está escasseando, com risco de não cair na torneira.
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