Bolsonaro: autoritarismo em público, condescendência nos bastidores

Indicação de Ciro Nogueira para o comando da Casa Civil mostra o avanço do Centrão no governo, sob pressão; enquanto o presidente insiste nas ameaças às eleições

Publicado em 24/07/2021 às 02h00
Presidente
O presidente Jair Bolsonaro. Crédito: Alan Santos/PR

Qualquer tipo de ameaça ao processo eleitoral brasileiro, por mais enviesada que seja, não pode ser tolerada. As consecutivas bravatas do presidente da República e o controverso recado do general que ocupa o Ministério da Defesa ao presidente da Câmara são incabíveis em qualquer circunstância. Nem mascaram o que realmente são: narrativas de chantagem para impor uma agenda lunática de mudança no sistema eleitoral. Qualquer golpismo, mesmo que tão rasteiro, encontrará nas instituições democráticas um obstáculo intransponível.

Em meio às denúncias de malfeitos que se avolumam na CPI que investiga as falhas no enfrentamento da pandemia e ao crescimento da rejeição ao governo apontado por pesquisas, o presidente Jair Bolsonaro tem se agarrado à bandeira do voto impresso e auditável (como se atualmente não fosse) como uma tábua de salvação para sua reeleição em 2022, usando estratégia similar a do seu colega derrotado nos Estados Unidos em 2020, Donald Trump. E reiteradamente passando dos limites institucionais, como presidente da República.

A informação divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo de que o general Walter Braga Netto, à frente da pasta da Defesa, teria dito em 8 de julho ao presidente da Câmara, Artur Lira, por meio de um interlocutor, que sem voto impresso não haverá eleição no ano que vem causou um terremoto institucional, mesmo que tenha havido desmentidos pouco enfáticos de ambas as partes.

Naquele mesmo dia, Bolsonaro repetiu publicamente a ameaça de Braga Netto. “Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”, afirmou a apoiadores, na entrada do Palácio da Alvorada. O Estado de S. Paulo, uma instituição centenária do jornalismo brasileiro, manifestou-se mantendo o teor da reportagem.

A reviravolta positiva nesta história confusa, embora absurdamente crível, acabará sendo a de colocar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que institui o voto impresso no seu devido lugar: no limbo da derrota. Pelo menos onze partidos já se manifestaram contrários, e a proposta só está tendo uma sobrevida por conta de uma manobra para adiar a votação. É um assunto para ser enterrado o quanto antes.

Já o efeito colateral é o avanço do Centrão no governo, com a indicação de Ciro Nogueira para o comando da Casa Civil, que deve ser o ponto de destaque de uma reforma ministerial sem qualquer propósito de eficiência administrativa, mas para acomodar o Centrão e realocar os que perderão seus cargos. Do alto escalão do PP, sigla de Artur Lira, Ciro Nogueira será praticamente o segundo homem forte do governo, com atribuições de coordenar os ministérios e poder de decisão sobre investimentos em infraestrutura. O Centrão está ao lado do rei.

"Eu sou do Centrão. Eu fui do PP metade do meu tempo", admitiu Bolsonaro após a repercussão da indicação de seu antigo detrator para a Casa Civil. Sim, Ciro Nogueira já esteve na outra trincheira, como prega o velho fisiologismo partidário. Bolsonaro foi PP e pode voltar a ser, para concorrer no próximo ano. Bolsonaro também é militar da reserva. As múltiplas facetas do presidente o colocam em uma posição complicada, à frente de um governo sem direção, com militares e Centrão brigando pelo maior naco. 

Quando sobra tempo, Bolsonaro levanta o tom de voz para ameaçar o processo democrático, exigindo o voto impresso. É a expressão do populismo com ímpeto autoritário em público, mas bem mais condescendente nos bastidores, sob pressão. Hamilton  Mourão  falou sobre as ameaças, contradizendo o que sai da boca de Bolsonaro sem meias palavras. “É lógico que vai ter eleição, pô. Quem é que vai proibir eleição no Brasil? Por favor, gente, nós não somos República de Banana.” Talvez seja conveniente que o vice dê esse aviso ao presidente.

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