Horroriza, mas não chega a surpreender que Jair Bolsonaro participe de atos antidemocráticos. Ao longo de sua carreira política, o presidente coleciona elogios ao torturador Brilhante Ustra, lamentos de que a ditadura tenha matado pouco e ataques ao STF e ao Congresso Nacional. O que admira é que Bolsonaro não tenha coragem de dar nome aos bois. Ao invés de assumir sua veia autoritária, Bolsonaro define os protestos do último domingo (3), em que mais uma vez endossou investidas contra o Legislativo e o Judiciário, de “uma manifestação espontânea da democracia”.
Não há nada de espontâneo, muito menos de democrático, em atos coordenados que pedem a volta de instrumentos cesaristas como o AI-5. Neste fim de semana, a hostilidade ainda passou da dimensão verbal para a física com as agressões a jornalistas no exercício de sua profissão, que, não por coincidência, é um dos símbolos da democracia. Com uma má-fé perigosa, o presidente confunde a liberdade de expressão garantida por lei com uma carta-branca a avalizar qualquer impropério.
Fosse ele a própria Constituição, como de maneira megalomaníaca e, quem diria, ditatorial alegou ser, saberia melhor do que ninguém que a mesma Carta Magna que garante o direito à opinião também estabelece limites, pelo simples motivo de que uma prerrogativa não pode ferir outras garantias fundamentais. Bastaria uma pequena dose de bom senso para concluir que as liberdades individuais, embora sejam pilares da democracia, não são um manto sagrado a perdoar ultrajes ao bem-comum.
Bolsonaro puxou ainda mais a corda nesta última bravata. Conspurcou a isenção das Forças Armadas conquistada a duras penas desde a redemocratização do país ao afirmar que elas estavam ao seu lado na guerra imaginária, ou melhor, “ao lado do povo”, numa frase mais afeita ao seu tom populista. Do Ministério da Defesa, veio a resposta de que as Exército, Marinha e Aeronáutica estão a serviço da nação, não de governos. Justamente o que a sociedade espera das Forças Armadas, que tem a missão, atribuída em lei, de zelar pelos poderes constitucionais.
Após discursar nas manifestações que pediam o fechamento do STF e do Congresso no dia 19 de abril, Bolsonaro também assistiu à justa grita da sociedade organizada contra aquele que era o aval do chefe do Executivo ao vilipêndio público à harmonia entre os Três Poderes. No dia seguinte, o presidente tratou de colocar panos quentes e aparar radicalismos.
Mas a máscara diplomática de Bolsonaro logo caiu e, neste fim de semana, voltou a prestigiar protesto que pedia o fechamento do Supremo e do Congresso. E sua retórica acirrou-se para um mais explícito “não vamos admitir interferência”. De novo com má-fé, Bolsonaro acusa de invasão as atribuições do Legislativo e do Judiciário, próprias do sistema de pesos e contrapesos da democracia. Infla seu séquito com uma retórica que embaralha as fronteiras entre independência e ingerência.
A cada aposta na beligerância, Bolsonaro testa os limites de seu autoritarismo. Com um pedido de inquérito feito sob medida pela Procuradoria-Geral da União sobre as manifestações do dia 19, que recomendaram a investigação dos organizadores dos atos, mas deixaram de fora a participação do chefe do Executivo, Bolsonaro sentiu-se confortável para atacar mais diretamente os outros Poderes apenas quinze dias depois. Sem uma resposta à altura das agressões do presidente, a corda que ele insiste em esticar acabará arrebentando.
No domingo, Bolsonaro prometeu que ele e seu governo não só exigirão, mas farão cumprir a Constituição a qualquer preço. Poderia começar pelo Artigo 2º, que determina a independência dos Poderes. O presidente já admitiu que não lê alguns dos decretos e medidas provisórias que assina, porque alguns “têm mais de 20 páginas”. Mas o artigo citado tem apena uma linha. Não surpreende que Bolsonaro, dado seu histórico, confunda arbítrio com soberania popular. Mas não pode deixar de horrorizar que um presidente eleito desconheça a força e o sentido das leis que ele jurou cumprir.
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