Chega! A expressão máxima do cansaço, que sai da boca quando se está farto de uma situação, quando algo se torna insuportável, foi a forma encontrada pelo presidente Jair Bolsonaro de declarar seu incômodo com a operação realizada nesta quarta-feira (27), por determinação do Supremo, tendo como alvo uma amostra de seus apoiadores, no âmbito do inquérito das fake news. Mas a exaustão aqui expressa se dá por vias tortuosas e equivocadas. Bolsonaro se coloca oportunamente como o achacado, em um nível pessoal, quando de fato, como presidente da República, deveria estar preparado para contrariedades que fazem parte do jogo democrático. Sua noção autoritária das atribuições de seu cargo certamente dificultam essa necessária compreensão.
"Não são bandidos, não são marginais, não são traficantes", justificou Bolsonaro, na defesa prévia dos investigados. Mais uma vez o presidente convenientemente se confunde, atropelando os fatos na construção de um discurso inflamado, que continua ecoando entre os 33% da população que ainda apoiam seu governo, de acordo com a pesquisa Datafolha divulgada nesta quinta-feira (28).
Mas, diferentemente do que prega o chefe do Executivo, criminoso não tem etiqueta na testa, investigações existem justamente para determinar se suspeitas se confirmam. Nenhum dos "amigos" bolsonaristas que tiveram de abrir as portas para a Polícia Federal foi condenado previamente; todos têm a seu lado a garantia constitucional da ampla defesa.
No amplo espectro das conveniências de discurso, o governo vende a ideia enganosa de que a liberdade de expressão está sendo atacada. Mais uma estratégia de confundir para dominar. O ministro Alexandre de Moraes está seguindo os indícios de crimes, como o financiamento e a contratação de empresas de disparos de notícias falsas, o que pode estar criando um ambiente de desinformação favorável ao bolsonarismo. E também as ameaças criminosas a instituições.
A liberdade de expressão é valor caro à democracia, é uma garantia incontestável. Mas mentiras não são uma questão de opinião. São falácias que maculam o ambiente democrático.
É estarrecedora, portanto, a reação autoritária de Eduardo Bolsonaro à operação. Ao dizer que "não é uma questão de 'se', mas de 'quando' se dará a ruptura" institucional, o deputado federal se faz porta-voz de um golpismo que há muito deixou de ser latente no Planalto. Não é por falta de motivação que manifestantes, mesmo que cada vez mais minguados, ainda insistem em levar para as ruas esses anseios descabidos. As instituições brasileiras são mais robustas do que governos que passam, mas precisam estar atentas. As tendências autoritárias já não se envergonham.
Ironicamente, Bolsonaro na véspera aplaudia à Operação Placebo, que colocou o seu ex-aliado Wilson Witzel no epicentro de um esquema de corrupção em plena pandemia. Mesmo ressaltando que a Polícia Federal "cumpre ordens", quando o jogo virou no dia seguinte, a reação foi virulenta. A confiança nas instituições no bolsonarismo é circunstancial: aos amigos, tudo; aos inimigos, a força da lei. Bolsonaro sempre reage como uma criança mimada, quando o país exige que ele comece a ter um comportamento adulto.
Principalmente quando há uma crise muito maior a ser enfrentada. Na sua exaltação, Bolsonaro mostrou quais são as suas prioridades: "Ontem trabalhamos o dia todo numa coisa, ouvindo quem teve sua propriedade privada violada". Sente-se a ausência de preocupações com o enfrentamento da pandemia, mesmo dentro do viés considerado mais importante pelo governo, o econômico. Com mais de 25 mil mortos no país, as palavras destinadas à Covid-19 são nulas. O poder pelo poder é o que move o governo Bolsonaro. O vídeo da fatídica reunião do dia 22 de abril serviu para descortinar essa falta de propósito.
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