Toda a encenação de Jair Bolsonaro, ao atravessar a Praça dos Três Poderes com ministros e empresários para se encontrar com o presidente do STF, Dias Toffoli, foi mais um ato da ópera-bufa que não sai de cartaz em Brasília — nesta mesma quinta-feira (07), a secretária de Cultura, Regina Duarte, teve também direito a um espetáculo dantesco durante entrevista à CNN Brasil, mas é assunto para outra hora.
A já apelidada marcha ao Supremo, contudo, merece um julgamento dissociado do circo que armou, por ter sido uma ação deliberada para pressionar o Judiciário, sem intermediações. Foi um achaque institucional, em nome do lobismo que busca a retomada ilógica da atividade econômica no país.
E é sempre preciso evidenciar que ninguém, em sã consciência, discorda que o país precisa se preocupar com a economia. Vidas também estão em jogo quando não há trabalho, quando faltam recursos. É um aspecto da pandemia que não pode ser desprezado, o que seria também desumano.
Mas não é o momento para analogias tão constrangedoras quanto a feita por um dos empresários presentes, de que "haverá mortes de CNPJs". Não há comparação, por mais grave que seja uma falência, há sempre a chance da volta por cima no meio empresarial, mesmo que a duras penas. Já para a morte dos mais de 9 mil CPFs registrada até esta quinta-feira em todo o território nacional, não. É preciso o mínimo de respeito por essas milhares de pessoas que já não estão mais por aqui.
Bolsonaro tentou jogar no colo do Supremo uma responsabilidade que é dele. Foi milimetricamente teatral, com direito a transmissão pela internet, para limpar sua imagem. A visita surpresa foi inadequada, talvez até estimulada por uma incômoda proximidade recente com Toffoli.
O presidente do Supremo, porém, fez um discurso severo diante das aparições inesperadas, com um didatismo exemplar para distribuir as responsabilidades. Tanto que cobrou de Bolsonaro a coordenação do governo com os demais Poderes e também com Estados e municípios, reforçando a necessidade de um comitê de crise, capaz de associar os dois eixos da calamidade, o sanitário e o econômico, de forma equilibrada. Se o presidente da República queria dar alguma lição, acabou sendo ele a levar um sermão. Sem meias palavras, Toffoli roubou o protagonismo de Bolsonaro ao cobrar do presidente que ele... governe.
Falta diálogo no governo, falta estratégia. Por mais que Bolsonaro tenha feito do isolamento social o seu moinho de vento, brigando com uma medida que tem dado resultado, talvez não tão imediatos, pelos quatro cantos do planeta, até mesmo o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, já pode começar a ser visto como um rebelde pelo simples fato de admitir a possibilidade de lockdown, a medida de isolamento mais severa, por ser compulsória.
Sim, o número de casos de Covid-19 tem crescido exponencialmente, já são mais de 135 mil infectados no país. O achatamento da curva não entra no horizonte, justamente pela demora de um plano nacional, pactuado por governo federal, Estados e municípios. O risco é que, mais uma vez, o presidente varra qualquer vestígio de racionalidade para fora do governo, como fez com Luiz Henrique Mandetta.
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A pressão promovida por Bolsonaro foi ostensiva e deve até estar sendo aplaudida por seus apoiadores mais inflamados. O que Bolsonaro fez nesta quinta-feira não foi política, dentro da linguagem democrática. Sem acanhamento, tirou o lobby das reuniões ao pé do ouvido e o expôs à luz do sol, para todos os brasileiros. Assinou, assim, uma obra-prima do nonsense, quando tudo o que se espera de um presidente é o mínimo de bom senso.
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