Se a retirada dos 25 quilômetros que cortam a Reserva Biológica (Rebio) de Sooretama, no Norte do Estado, das obras de duplicação da BR 101 já era uma possibilidade sombria para o futuro da rodovia, a proposta da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) de excluir todo o trecho que parte da reserva e vai até o município de Mucuri, na Bahia, chega ao nível do inaceitável. De acordo com o documento, seis municípios do Norte ficariam de fora das obras, recebendo apenas uma terceira faixa nos pontos mais críticos da rodovia. A BR 101 nessa extensão receberia, portanto, alguns "puxadinhos", termo popular que vai mais direto ao ponto.
O imbróglio em torno do licenciamento ambiental do trecho Norte, os 262 quilômetros que vão da Serra até Pedro Canário, já paralisou a duplicação e segue sendo o maior impasse desde a concessão da rodovia. A BR 101 atravessa a área de preservação de Sooretama, o que inviabiliza a ampliação pela necessidade de desmatamento das áreas florestais que margeiam a rodovia.
Em 2019, após reincidentes negativas de liberação do trecho pelo Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio), o Ibama sugeriu antecipar análises técnicas de outras partes da rodovia. Uma forma de destravar a duplicação da rodovia no trecho Norte enquanto se define a situação de Sooretama.
No ofício com a proposta da ANTT, a sugestão de remodelação da rodovia apenas com a terceira faixa é baseada em levantamento realizado pela própria concessionária Eco101, que indica não haver necessidade de duplicação no trecho que vai da reserva até Pedro Canário. "O estudo de tráfego apresentado pela própria concessionária indica não haver demanda que justifique tal investimento”, diz o texto da agência.
Ora, a duplicação da BR 101, como um projeto estratégico de segurança e logística para o Estado, deve ser pautado pelo potencial, não pelos dados do presente. Qualquer planejamento de infraestrutura tem de mirar o futuro, ou já nasce caduco. Modernizar uma rodovia é se antecipar, garantindo que a via possa receber fluxos maiores com segurança para os usuários. É se preparar para as possibilidades de desenvolvimento.
Mesmo que haja adequação do contrato e de valores da concessão, caso essa proposta vingue, vai se sobressair o fracasso de um projeto essencial para a economia e para a preservação das vidas de quem trafega pela via. Vale lembrar que, desde 2014, há cobrança de pedágio nas sete praças ao logo do território capixaba, sem que a duplicação avance em um ritmo aceitável. Os motoristas cobram, com razão, pois não veem o resultado dos investimentos que saem do seu bolso.
E a BR 101 continua sendo cenário de acidentes com mortes. Em janeiro deste ano, por exemplo, um acidente no km 116,8 em Sooretama, deixou uma pessoa morta e outras dez feridas, sendo cinco em estado grave.
O impasse de Sooretama, no que diz respeito unicamente à área de preservação, é um etapa burocrática com justificativa aceitável, mas que se prolonga por tempo demais. A reserva está ali desde sempre, e a questão do licenciamento deveria estar prevista no contrato desde o início, impondo alternativas para superar a questão. Mas elas geram custos, que podem afugentar investimentos. Há exemplos no mundo de projetos de rodovias que, com inovação, superaram esses impasses sem causar prejuízos ambientais.
A ANTT também propôs que apenas o trecho que percorre a reserva não seja duplicado. Entre uma proposta ruim e uma proposta péssima, espera-se que a primeira vigore. A modernização da BR 101 precisa fazer jus ao termo, por ser tão estratégica, ou se tornará obsoleta antes mesmo de ser terminada. O absurdo é constatar que o impasse sobre 25 km de rodovia inviabilizem as obras dos demais 237 km, uma amarra burocrática que emperra o desenvolvimento do Estado e, pior, coloca vidas em risco, diariamente.
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