Brasil ficará ainda mais perdido se Censo for adiado para 2022

País já se encontra há alguns anos sem estimativas populacionais de qualidade, o que impõe a urgência do levantamento, imprescindível para a decisão de políticas públicas

Publicado em 20/08/2020 às 05h57
Atualizado em 20/08/2020 às 08h13
Testes de coleta para o Censo 2020 do IBGE - Foto: Licia Rubinstein / Divulgação/IBGE
Testes de coleta para o Censo 2020 do IBGE - Foto: Licia Rubinstein / Divulgação/IBGE. Crédito: Licia Rubinstein / Divulgação/IBGE

Somente na falta de um projeto sério de país, o recenseamento da população pode ser considerado tão descartável. Fica ainda mais difícil compreender o que se passa pelas cabeças pensantes do governo federal  ao cogitarem um novo adiamento do Censo 2020, desta vez para abrir espaço no Orçamento de 2021 para o Ministério da Defesa, em especial. O realocamento de recursos, para evitar furar o teto de gastos, será inevitável, mas não pode ser feito de maneira atabalhoada, sem calcular os danos que a falta de conhecimento sobre o próprio país pode causar.

A cada dez anos, o IBGE promove o reconhecimento do Brasil. É como se a cada década o país fosse redescoberto pelo Censo Demográfico,  quando todos os domicílios brasileiros são visitados para realizar não somente a contagem da população, mas uma radiografia das condições de vida, do mais recôndito distrito aos grandes centros urbanos.

Com esses dados, são traçadas as políticas públicas em cada região, de acordo com as necessidades e as características demográficas catalogadas. A própria distribuição de recursos para Estados e municípios depende desse autoconhecimento minucioso.

Se o adiamento de 2020 para 2021 tem justificativa plausível, dada a impossibilidade operacional imposta pela pandemia, a postergação para o ano seguinte, 2022, soa como oportunismo. A verba destinada à realização do Censo é de R$ 2 bilhões, e a ideia é repassá-la à Defesa.

A questão é que aparentemente a discussão orçamentária para 2021 tem centrado esforços para a ala militar, buscando uma expansão do orçamento do ministério que pode alcançar R$ 111 bilhões, superando assim até mesmo o valor aventado para a Educação, de R$ 102,9 bilhões.

Falta razoabilidade. Por que incrementar tanto o gasto com a Defesa quando o país possui tantas prioridades na preparação para um ano que será ainda tão complicado? A racionalidade dessas novas despesas deve ser a regra. Não se está pensando em abandonar o Censo por uma emergência, mas por um capricho de governo, que ainda não se atinou para a urgência de uma reforma de Estado. Pelo contrário, parece estar comprometido com mais gastos com pessoal, visto que nada justifica o aumento da destinação de verbas para a pasta.

Essas intenções justificam o assombro do ex-presidente do IBGE, Roberto Olinto, que em entrevista ao Estadão tratou a possibilidade como um "escândalo inaceitável". E ainda deu uma aula de gestão pública, com o bom uso dos dados recolhidos pelo Censo. "É muito mais estratégico para a Defesa ter o conhecimento do país com um Censo do que comprar armamento. Ter o Censo também é fazer a defesa do país. É melhorar a capacidade de ter informações militares."

O Brasil já se encontra há alguns anos sem estimativas populacionais de qualidade, o que impõe a urgência do levantamento. Os dois anos de atraso vão agravar ainda mais a defasagem de informações sobre a situação social, as principais demandas. Não há planejamento eficiente sem dados precisos, e os coletados com o Censo são preciosos justamente por isso.

O Brasil vai se afastar ainda mais do Brasil se essa decisão equivocada for levada a cabo. A polêmica sobre a redução do número de perguntas da pesquisa no ano passado já foi um sinal da falta de compreensão, por parte do governo, da relevância de se conhecer o país a fundo, sem miopia estatística.

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