A notícia de que o PIB do terceiro trimestre cresceu 7,7% mostra que o pior da crise ficou para trás, mas sinaliza também que a retomada foi mais lenta do que a prevista por mercado, economistas e governo, que estimavam alta de quase 9%. A reação da economia foi rápida, mas não o suficiente para recuperar as perdas da pandemia, o que coloca ainda mais pressão para que a gestão de Jair Bolsonaro acelere o cumprimento da agenda de reformas, que teima em não sair do papel, e implemente uma firme política fiscal, ainda mais diante da nuvem de incertezas que cerca 2021.
O crescimento representa um recorde para a série iniciada em 1996, mas não pode ser visto como um símbolo de pujança. Em primeiro lugar, porque o pico se dá em relação a um parâmetro muito ruim, que foi o tombo de 9,6% do trimestre anterior, auge da paralisia das atividades econômicas. Em segundo, porque o país está longe de retornar ao patamar de antes da pandemia, que já não era uma posição confortável, por não ter se recuperado ainda da recessão de 2014-2015. Em relação ao PIB do mesmo trimestre de 2019, a queda é de 3,9%. Apesar da alta histórica, o ritmo de crescimento deve cair nos próximos meses, fechando o ano com retração de 4% a 5%.
O resultado esconde ainda discrepâncias muito fortes entre os setores. Enquanto a indústria cresceu 14,8%, a agricultura navegou no sentido oposto, apresentando uma queda de 0,5%. O comércio, que conseguiu driblar a crise com as vendas digitais, subiu 15,9%. Já o setor de serviços, mais afetado pelo distanciamento social, teve alta mais discreta, de 6,3%. Uma das grandes alavancas foi o consumo das famílias, impulsionado pelo aporte do auxílio emergencial.
O cenário para 2021 é ainda nebuloso. O fim da transferência de renda para os mais pobres e a possibilidade de novas medidas de restrição à circulação, face a um avanço da pandemia, puxam as projeções de crescimento para baixo. Some-se a isso a dificuldade que o Brasil tem demonstrado em atrair investidores, apesar dos juros baixos. Por outro lado, a poupança forçada realizada pela classe média durante os últimos meses, diante do receio do desemprego, pode servir como colchão para o início do próximo ano, ao menos amenizando perdas.
A maior ameaça à retomada consistente no país, contudo, é a situação fiscal do país. Com a projeção de que a dívida pública corroa 100% do PIB neste ano, é incontornável que o governo federal faça caixa e imprima um corte racional dos gastos da máquina. O óbvio ululante foi admitido pelo vice-presidente Hamilton Mourão em visita ao Espírito Santo nesta semana, para participar do Vitória Summit, realizado pela Rede Gazeta.
“Precisamos da reforma administrativa, redefinir carreiras de Estado, redefinir a estabilidade do servidor, redefinir a questão salarial. Precisamos avançar nas privatizações e vender empresas que estão sugando o recurso do tesouro e que, consequentemente, vão gerar mais dívidas”, detalhou em sua palestra no evento e batizada, muito a propósito, de “Os desafios da nação e soluções para um futuro de prosperidade”.
A agenda de reformas estruturantes e de privatizações é um dos fatores que alçou Jair Bolsonaro ao posto de presidente da República. Nada de novo, então. A necessidades brasileiras para impulsionar o crescimento do país são as mesmas de antes das eleições. A diferença que agora elas são ainda mais urgentes e críticas. O próprio Mourão, no entanto, confessou que o avanço das pautas depende de articulação política. E aqui mora um grande problema.
A exemplo do que ocorreu com a reforma da Previdência, em que o Planalto lavou as mãos, membros da equipe econômica do governo planejam deixar com o Congresso o protagonismo de elaborar pontos da reforma tributária — mesmo que o texto final não saia como o desejado, tudo para não arcar com o ônus de medidas impopulares. Segue a toada da inação da gestão de Bolsonaro. O segundo ano de mandato chega ao fim sem nenhuma privatização de peso, por exemplo. Atrair a iniciativa privada é crucial diante da incapacidade de investimentos públicos, pois só ela tem condição de realizar as obras de infraestrutura e logística que vão dar dinamismo à economia.
No mesmo Vitória Summit, o sociólogo, doutor em Ciências Políticas e professor do Insper Carlos Melo e a jornalista especializada em política Natuza Nery avaliaram que o presidente deixou passar “bons momentos”, com a popularidade em alta e a relação com o Centrão, para aprovar projetos essenciais ao desenvolvimento do país, como a PEC Emergencial. Agora, alertam, é uma corrida contra o relógio que depende de uma reinvenção da gestão em relação ao que tem sido visto até aqui. A perspectiva não é reconfortante.
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