Não é por provincianismo que o título deste editorial parece tão ufanista. É claro que a escolha de Ethel Maciel — enfermeira, pesquisadora e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) — como nova secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde enche o Espírito Santo de orgulho, mas são a trajetória e o currículo da epidemiologista, a primeira reitora eleita da Ufes, que conferem a confiança de uma guinada no status decadente da vacinação no país.
Ethel chega ao posto com metas bem transparentes, condizentes com as batalhas que travou durante a pandemia. Já afirmou que a vacina contra a Covid-19 será incorporada ao calendário anual para pessoas do grupo prioritário —como idosos, imunossuprimidos e profissionais de saúde, decisão que ainda não havia sido tomada no governo Bolsonaro.
E colocou o aumento da cobertura da imunização contra as demais doenças como uma prioridade. Não será fácil desmobilizar as correntes do negacionismo, mas com melhores estratégias de comunicação é possível voltar a avançar. Uma coisa é certa: para atingir quem desconfia das vacinas, o Ministério da Saúde vai precisar abandonar a passividade dos últimos quatro anos.
Na pandemia de Covid-19, Ethel foi e continua sendo uma das vozes mais eloquentes na defesa da ciência. Uma mulher que deu seus primeiros passos na pesquisa acadêmica com uma bolsa de iniciação científica e chegou ao pós-doutorado na universidade que é referência mundial em epidemiologia, a John Hopkins. Desde 2020, Ethel passou a ser requisitada na mídia local e nacional, ao lado de tantos outros infectologistas e epidemiologistas que passaram a ser ouvidos na crise sanitária. Neste jornal, escreveu uma coluna quinzenal sobre ciência da qual se despediu nesta semana.
A nova secretária vai estar na linha de frente da vigilância e do controle das doenças. O Programa Nacional de Imunização passa a estar sob o seu comando. Implantado no país em 1973, o PNI promoveu avanços civilizatórios por construir um calendário e colocar a vacinação na rua, nos pontos mais distantes do país. O Brasil conseguiu erradicar doenças, como a poliomielite, e se tornou um exemplo mundial por atingir uma ampla cobertura vacinal.
O movimento antivacina cresceu, mas não nasceu no governo Bolsonaro, é preciso fazer essa ponderação. Mas o desprezo pela imunização, com um presidente que publicamente se recusou a receber o imunizante contra a Covid-19, certamente foi condicionante das pioras registradas nos últimos anos.
A vacina tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola) é um dos principais imunizantes do Programa Nacional de Imunizações e vem registrando números insuficientes desde 2017, quando atingiu 86,2% do público-alvo; em 2021, a cobertura caiu para 71,4%. O resultado da baixa adesão é o reaparecimento das doenças. Em 2019, o país passou por um surto de sarampo, com casos registrados no Espírito Santo: os primeiros depois de seis anos. Outra preocupação é a poliomielite: a imunização teve êxito de 88,33% em 2018. Em 2021, foi para 74,84%.
A contestação das vacinas, e mesmo a negligência com elas, vai precisar de método e estratégia para ser combatida. Em pleno 2023, é preciso ter clareza de que, se a humanidade é mais longeva e saudável, é também por mérito das vacinas. Como reforçou Ethel, já ocupando a cadeira no Ministério da Saúde, vacina é estratégia coletiva para criar imunidade coletiva. É reconfortante demais que o Brasil tenha alguém que reconheça o óbvio em um cargo tão importante para a saúde pública. O trabalho será árduo, mas é bom saber que o caminho escolhido é o correto.
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