Uma colisão no trânsito, aparentemente leve e sem provocar grandes perdas materiais, foi o suficiente para que um dos motoristas envolvidos acabasse assassinado, no meio do tráfego intenso dos veículos na BR 101, na Serra, na semana passada. Pelas imagens, não é possível afirmar se os ânimos se exaltaram ou se houve alguma discussão, mas dá para ver que a vítima, que conduzia o carro que se chocou com a traseira do veículo do homem que efetuou o disparo, tentou sair do local e, ao manobrar, quase atropelou os dois ocupantes do outro carro que estavam na via. Pelas imagens, quando o veículo dirigido pela vítima para abruptamente, a banalidade da violência ganha forma. É o ponto em que, quem assiste, sabe que ele está morto.
Cenas como essa são chocantes não pela violência explícita, não há uma gota de sangue mostrada, mas há uma paradoxal sutileza da brutalidade que, na vida real, expõe um nível de adoecimento social preocupante. O trânsito já é um habitat afetado pela violência causada pela imprudência de motoristas, mas nesses casos ela extrapola: nas brigas no meio de ruas e avenidas, após acidentes, não é rara a presença de um personagem que quer ter razão e fazer justiça com as próprias mãos. Nesse momento, quem escapou ileso de um acidente pode acabar sendo vítima de um homicídio.
Em Linhares, em 18 de fevereiro, um morador do bairro Movelar foi brutalmente assassinado por ter reclamado com um motorista de caminhão que os faróis do veículo estavam apagados. Um nível de desprezo pela vida humana que fortalece o medo: por qualquer motivo, uma pessoa pode acabar sendo morta.
E, em uma sociedade cada vez mais armada, sem o devido controle que garanta preparo técnico e psicológico para quem tem o porte e a posse, não há como interagir com o outro sem temer reações violentas. O Estado democrático de Direito é suplantado nesses casos pelo homem sendo o lobo do homem, um estado de selvageria.
Em dois episódios recentes, foram registradas brigas de trânsito nas quais homens empunharam facões para fazer ameaças ou se defender. Em Cariacica, em 14 de fevereiro, um motorista de caminhão desferiu facadas e lesionou pelo menos uma pessoa, segundo a Polícia Militar, em Campo Grande. E, no último domingo (6), um motorista, após bater com seu carro no retrovisor na lateral de um outro veículo, alegou ter sido agredido e, para se defender, pegou também um facão, sem fazer vítimas.
A recorrência desses eventos de violência pode estar relacionada a uma sensação de desamparo das pessoas, que buscam formas de se sentirem mais protegidas, fazendo do ataque a defesa. Mas fica nítido que é a falta de diálogo e de respeito que impera. Não deixa de ser resultado em algum nível da erosão institucional que precisa ser contida, para que cada cidadão saiba que é inaceitável que esse tipo de conflito seja resolvido com violência, sem mediação. A responsabilidade é sempre do Estado, pelas vias policiais e jurídicas. E a lei precisa ser cada vez mais dura para quem acha, por qualquer motivo, que está acima dela.
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