O assassinato de dois irmãos em Conceição da Barra, no último sábado (16), representa não uma tragédia, mas várias tragédias que assolam o Espírito Santo e o Brasil como um todo. Por trás da mais óbvia, a morte de duas crianças inocentes, estão também a cooptação de adolescentes para o mundo do crime e o aumento da violência para as cidades do interior. Ambas são fruto da semente podre do narcotráfico, mas que na maioria dos casos só criam raízes em solo em que também coexistem o abandono afetivo e a vulnerabilidade social.
O episódio do Norte capixaba choca não apenas pela idade das vítimas, Keyrison Santos Oliveira, de 10 anos, e Kamile Santos Oliveira, de 8 anos, como também pela identidade dos assassinos. Quatro dos seis envolvidos no duplo homicídio eram adolescentes, com idades entre 15 e 17 anos. Outro tinha acabado de chegar à maioridade. A motivação para o crime era uma disputa pelo tráfico de entorpecentes na região e tinha como alvo o padrasto das crianças, ele também com 17 anos.
Sem recuar um milímetro na necessidade de responsabilização criminal desses jovens, é preciso entender que, quando pessoas nessa idade cometem atos tão reprováveis, isso não representa apenas uma falha ética individual. A sociedade, com seu arcabouço civilizatório, colapsa junto. É um fracasso coletivo.
O Brasil avançou bastante nas últimas décadas na redução da mortalidade infantil, mas ainda falha miseravelmente na proteção de seus jovens. O país tem a terceira maior taxa de homicídios de crianças e adolescentes do mundo, de acordo com a OMS, maior até mesmo do que países em guerra, como a Síria. E não há nenhum projeto sólido e duradouro focado na redução da violência contra essa parcela da população — que devem evitar que eles sejam as vítimas, mas também os perpetradores de barbáries. As políticas públicas não passam de soluços.
O perfil da juventude nas duas pontas da violência letal, a dos mortos e a dos assassinos, é bem conhecido. São crianças e adolescentes, em sua maioria, negros, pobres ou miseráveis, quase sempre sem qualquer rede de apoio, da família ou do Estado. A maioria massiva está, de alguma forma, ligada ao tráfico de drogas, seja atuando em gangues, seja simplesmente vivendo em comunidades conflagradas. Não se pode deixar fora da equação o fato de que, por serem inimputáveis perante a lei, menores de idade são alvos cobiçados por facções criminosas.
No papel, as leis brasileiras são louváveis. Se fosse seguido à risca o Estatuto da Criança e do Adolescente, é possível que crimes como o de Conceição da Barra não tivessem ocorrido. Mas do papel para o mundo real há um abismo de vergonha. O Brasil tem, por exemplo, uma das legislações mais firmes do mundo no combate ao trabalho infantil. Mesmo assim, quase dois milhões de crianças são exploradas diariamente no país, em uma verdadeira mutilação da infância e da dignidade. O que dizer, então, do 1,4 milhão de pessoas até 17 anos que estão fora da escola?
O caminho para o debate sobre a maioridade penal está aberto, com argumentos contrários e favoráveis. No entanto, antes de pensar no encarceramento da juventude, o país precisa agir para evitar que crianças e adolescentes caiam na criminalidade. É uma rede complexa, mas extremamente necessária, que precisa ser colocada em prática, transposta do papel para a vida real, o que inclui escola, assistência social, saúde e acesso a direitos. É preciso punir com rigor os autores dos crimes, mas é preciso investir muito mais para prevenir que tragédias aconteçam. Cada vida que se perde nunca mais é recuperada.
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