A tão adiada reforma administrativa do governo Bolsonaro está finalmente na mesa, mas a sensação é de que permanece como a promessa de início de mandato, com um caráter um tanto genérico para uma projeto tão essencial ao fortalecimento do Estado brasileiro. É um primeiro aceno que parece mais tentar responder superficialmente às expectativas de uma reformulação do serviço público do país do que de fato sacramentá-la; funciona como uma carta de intenções para segurar os ânimos do mercado e da própria sociedade em uma gestão que ainda promete muito e entrega pouco.
A própria estratégia de apresentar a proposta em etapas, repetindo o malfadado expediente adotado na reforma tributária, expõe uma possível falta de objetividade que é temerária para concretizar a mudança que de fato modernize a administração pública. O presidente Jair Bolsonaro, quando anunciou na mesma terça-feira (1º) em que o PIB pandêmico foi divulgado que entregaria à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) ao Congresso nesta quinta (03), fez questão de frisar que a reforma atingiria somente os novos servidores. Durante a apresentação dos pontos da proposta, seguiu-se também a mesma cantilena.
Posteriormente, contudo, a equipe econômica fez um esclarecimento que ampliou o escopo de pelo menos um dos pontos fundamentais. Segundo o Ministério da Economia, a regulamentação da demissão de servidores por desempenho valerá para todos os servidores, inclusive os que já estão em atuação. Isso porque já existe uma previsão constitucional para essa avaliação estendida. O projeto de lei complementar ainda está sendo elaborado para ser encaminhado ao Congresso.
Como se vê, o governo se compartimentou, explicitando que Bolsonaro não consegue se desvencilhar de sua histórica atuação corporativista, enquanto a equipe econômica de Paulo Guedes tenta emplacar propostas mais substanciais e alinhadas ao pensamento liberal. É como se essa primeira etapa, na qual se olha para o funcionalismo somente no futuro, servisse para amansar os grupos de pressão, enquanto as medidas complementares que de fato terão impacto fiscal serão enviadas posteriormente. Falta um discurso único, que mostre a coragem de brigar pelos interesses do país.
A PEC cria novos regimes de contratações e promove alterações organizacionais importantíssimas e aguardadas, mas ainda limitadas. Privilégios como licença-prêmio, aposentadoria compulsória como punição e férias superiores a 30 dias serão exterminados... mas só para quem ingressar no serviço público a partir da vigência das novas regras. Juízes, parlamentares e militares ficaram de fora.
O projeto também prevê que o presidente da República poderá, sem autorização do Congresso, extinguir órgãos e cargos e reorganizar autarquias e funções. O que pode significar mais agilidade, mas há o receio de uso político da prerrogativa, portanto é um ponto que deverá ser analisado com cautela pelos parlamentares.
A reforma administrativa, mesmo sem a robustez esperada, deve ainda encontrar muita resistência pelo caminho. Nas diferentes tramitações paralelas previstas, espera-se que seja aprimorada com celeridade, associada às propostas do Legislativo. O Congresso tem uma enorme responsabilidade com o futuro fiscal do país e deve agir com protagonismo.
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Não há como negar que já se trata de um passo importante para começar a corrigir as inúmeras distorções da administração pública brasileira, tão estagnada e refratária a mudanças. É uma oportunidade que não pode ser desperdiçada pelo governo e pelos parlamentares. A modernização estatal brasileira é prioridade por reestruturar uma máquina cara, engessada e ineficiente, que mantém o Brasil no atraso.
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