Nos últimos meses, os registros de praias lotadas no Espírito Santo chamaram a atenção pelo novo contexto que o mundo enfrenta, com o risco de contaminação pelo coronavírus. Mas há muitos verões uma outra ameaça à saúde da população ronda os balneários capixabas, sem solução: a falta de balneabilidade das águas. O problema, histórico, atinge principalmente a Grande Vitória, mais urbanizada, mas espraia-se também pelo Norte e Sul do Estado, onde há cidades que nem sequer contam com monitoramento próprio das condições do litoral.
Há investimentos — alguns milionários, outros pontuais —, mas ainda são frequentes as placas de aviso de que as praias estão impróprias para banho. Isso onde há placas. A poluição dos balneários não é um mero inconveniente ao turismo, mas um obstáculo à saúde pública. Águas contaminadas por esgoto doméstico sujeitam banhistas ao contato com organismos transmissores de doenças que vão desde gastrenterite até hepatite A, cólera e febre tifóide, mais raras, mas fatais.
O Brasil de 2021 não trata nem metade do esgoto que gera, de acordo com levantamento mais recente do Instituto Trata Brasil. Todos os dias, são despejadas na natureza 5,3 mil piscinas olímpicas de dejetos. Quase 35 milhões de habitantes não têm água tratada, enquanto 100 milhões de pessoas não têm acesso à coleta de esgoto, sendo 21,7 milhões delas apenas nos 100 maiores municípios — o equivalente a toda a população do Chile. Esse seleto grupo de cidades está em condições bem melhores do que a média nacional e investiram, juntas, 50% de tudo o que o país gastou em infraestrutura de água e esgoto.
Os números evidenciam a importância do Marco Legal do Saneamento, sancionado no ano passado pelo presidente Jair Bolsonaro. É o primeiro passo para a quitação de uma das dívidas históricas do país, com a tão esperada universalização dos serviços de água e esgoto. De quebra, tem o condão de amenizar outros gargalos brasileiros, sobretudo no pós-pandemia: o equilíbrio das contas públicas e a geração de emprego. As primeiras iniciativas dos Estados na busca por parceiros privados na empreitada devem injetar cerca de R$ 60 bilhões no setor — montante ainda pequeno face à demanda, que gira em torno de R$ 700 bilhões, mas que finalmente acende uma luz no fim do túnel.
O Espírito Santo tem o desafio de dobrar os valores investidos até 2033, mas já figura entre os entes da federação com melhor desempenho, com 88% da população capixaba com acesso à água e 55% à rede de esgoto, segundo dados mais recentes, de 2018. Em outubro, Cariacica e Viana concluíram o leilão de PPPs, unindo-se a Serra, Vila Velha e Cachoeiro de Itapemirim, onde empresas já operam o sistema. A Cesan já busca caminhos para incorporar o capital privado, com propostas que incluem até venda de parte da estatal.
Em tempos de apertos das contas públicas, as PPPs são uma das saídas mais óbvias. No entanto, há algumas pedras no caminho que precisam ser enfrentadas. A principal delas é que, um ano depois da sanção do Marco Legal do Saneamento, uma série de regulamentações ainda aguarda decisão. Entre elas está a definição das regras que ditarão se as empresas em contrato ativo têm capacidade financeira de tocar as obras. A demora na deliberação, que pode excluir companhias do mercado, emperra novos negócios para o setor. Vencido esse obstáculo, o poder público precisará encarar máculas históricas na consecução de obras, aprimorando projetos e mecanismos de fiscalização. Sem isso, corre-se o risco de os avanços legais irem por água abaixo.
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