Em 2019, durante uma visita a Dallas, Jair Bolsonaro converteu seu famoso slogan em “Brasil e Estados Unidos acima de todos”. Ao longo dos últimos dois anos, no entanto, o presidente investiu mais na relação com Donald Trump do que com o país norte-americano. Com a entrada de Joe Biden na Casa Branca, o Brasil será forçado a rever sua política externa, sob o risco de ficar ainda mais isolado no cenário global. Mesmo com uma pouco provável reversão do resultado das eleições dos Estados Unidos na Suprema Corte, o caminho seguido até aqui pelo Palácio do Planalto não tem sustentação.
Um dos assuntos já colocados na mesa pelo próprio Biden é a política ambiental. Se Trump comandava o bloco dos negacionistas, o democrata promete engrossar o coro internacional que pressiona o governo brasileiro a adotar critérios mais rígidos de preservação. O Brasil tem até o final do ano, por exemplo, para decidir se reforça ou não a meta climática do país no Acordo de Paris, abandonado por Trump. A postura do país não interfere apenas na fauna e na flora, o que já seria motivo suficiente de preocupação, mas na economia do país, especialmente em um cenário de crise.
Um comprometimento maior ajudaria a melhorar a imagem do país entre futuros parceiros, bastante corroída com os recordes em incêndios e desmatamentos. Outra impacto deve ser a postura do Brasil em meio à guerra comercial entre Estados Unidos e China, que tem embaralhado o tabuleiro para produtores nacionais e que envolve o delicado tema do leilão do 5G.
Nessas e em outras questões, o alinhamento ideológico do cidadão Jair Bolsonaro terá que ceder lugar à diplomacia que se espera do presidente do Brasil, com uma boa dose de pragmatismo. Até porque, na balança dos acordos firmados pela atual gestão, o ponteiro oscila para o lado dos Estados Unidos. O Planalto cedeu a Base de Alcântara, prorrogou a isenção de tarifa para o etanol e suspendeu vistos para norte-americanos, por exemplo. Em troca, recebeu de Trump ameaças de sobretaxa ao aço e alumínio brasileiros. Também trocou o certo pelo duvidoso: abriu mão do tratamento diferenciado na OMC por um possível apoio dos Estados Unidos à entrada na OCDE. A conta não fecha.
Desde a década de 1970, os benefícios conquistados pelo Brasil na relação com os Estados Unidos resultaram mais da habilidade de negociação de diplomatas e governantes do que de interesse estratégico norte-americano na América Latina ou alinhamento ideológico dos ocupantes do Planalto e da Casa Branca. Essa capacidade de negociar é que precisa ser reconquistada, não apenas com os Estados Unidos, mas no cenário global. O menosprezo a parceiros latinos, o bate-boca com o líder francês Emmanuel Macron e a hostilidade com países como Alemanha e Noruega, que levou à suspensão ou ao corte de repasses para o Fundo Amazônia, guiados mais por vaidade do que por técnica, não podem continuar.
A exemplo de Trump, Bolsonaro tem adotado um tom desdenhoso ou até belicista nos palcos multilaterais, como a ONU, a União Europeia e o Mercosul, em um isolacionismo prejudicial à economia brasileira. Se escolher o caminho do pragmatismo, como tem dado sinais nos últimos dias, não será surpresa que o governo federal retire dos holofotes ministros da ala ideológica, como Ernesto Araújo e Ricardo Salles, justamente os dois que comandam as pastas de maior relevo e maior potencial de atrito, Relações Exteriores e Meio Ambiente.
Apesar da alegada amizade com Trump, a relação até o momento tem sido assimétrica e a entrada de Biden pode trazer boas perspectivas ao Brasil. Diplomatas ligados à campanha do democrata ouvidos pela revista Veja informaram que, se confirmado no cargo, o novo presidente pretende “recomeçar do zero” as relações com o governo brasileiro. China e meio ambiente continuam no balcão de negócios, mas antigas rusgas seriam ignoradas. A promessa de bons ventos traduziu-se em alta na bolsa, com o otimismo do mercado financeiro ao possível fim do protecionismo do America First de Trump. Sinal de que, mais do que um amigo, o Brasil precisa é de um parceiro na Casa Branca.
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