Em outubro de 2014, pouco mais de um ano antes da tragédia de Mariana provocar o maior desastre ambiental em uma bacia hidrográfica no país, o Rio Doce já pedia socorro. Na época, ele enfrentava a pior situação de seca da sua história, com o nível de água tão baixo que chegou a prejudicar o abastecimento nos municípios cortados pelo rio e a navegação em seu curso.
O assoreamento, naquela ocasião, era creditado por especialistas não somente à seca do período, mas paradoxalmente também às chuvas intensas do final de 2013: o transbordamento do rio provocou o deslizamentos das margens e, consequentemente, a redução da calha.
Agosto de 2021: os bancos de areia chamam novamente atenção ao longo de seu leito. O Mapa do Monitor de Secas do Estado de junho passado, coordenado pela Agência Nacional de Águas, apontou aumento da área de seca fraca de norte a sul do Espírito Santo, o que veio agravar a situação descrita pelo Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) em maio, quando a precipitação observada no mês não passou dos 30 mm. Nível considerado de 50% a 75% abaixo da chuva esperada para o período, de acordo com a média histórica.
Se a falta de chuvas é tratada como um elemento imponderável nesse processo, mesmo que as mudanças de padrões climáticos possam ser combatidas em um esquema global, é fato que o Rio Doce padece também com ações demasiadamente humanas. O uso e a ocupação equivocada do solo, o aumento do consumo da água, o lançamento de esgoto sem tratamento, dejetos e lixo se enquadram nesse cenário de degradação. Um manejo mais racional dos recursos hídricos é uma urgência.
O impacto ambiental e humano provocado pelo mar de lama da Samarco em 2015 ainda persiste. A Fundação Renova, criada para executar ações compensatórias aos danos causados pelo vazamento da barragem de Fundão, divulgou em abril passado um estudo, conduzido por Carlos Tucci, professor colaborador do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IPH-UFRGS), que apontou redução de 34,6% no volume de resíduos do leito do Rio Doce até 2019, com expectativa de que esse percentual chegue a 61,1% até 2030.
Ao mesmo tempo, a Rede Solos Bentos Rio Doce desenvolveu estudos que constataram que os rejeitos aumentaram significativamente a presença de metais e metalóides nas águas, no solo e também nos peixes, base alimentar para boa parte das pessoas nas regiões ribeirinhas.
A conservação do solo e da água no Rio Doce é uma questão perene, ajustada de acordo com as circunstâncias. É uma preocupação social e ecológica que não tem fim, cercada de comprometimento do poder público, do setor privado e de cada cidadão, com responsabilidades compartilhadas.
A recriação da mata ciliar em áreas destruídas, um planejamento urbano mais cuidadoso e um olhar mais sustentável na relação das comunidades e das empresas com os rios são apenas algumas das ações que exigem constância, como políticas de Estado. Um rio é muito mais que um mero curso d'água, é garantia de sobrevivência e até mesmo da própria existência dos aglomerados humanos a que chamamos de cidades.
O Rio Doce é um sobrevivente, a duras penas. A cada estiagem, encolhe-se; a cada enchente, mostra a sua força. O que se pede é cuidado, para que os impactos da ação incontrolável da natureza sejam menos traumáticos. A forma como a sociedade se relaciona com os rios precisa passar por uma transformação, sem tanta degradação voluntária. O Rio Doce, esse patrimônio natural que atravessa o Espírito Santo, agradece.
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