Com fome crescente, auxílio emergencial deve chegar às mãos de quem precisa

Com 19 milhões de brasileiros passando por insegurança alimentar grave, benefício reduzido não vai mudar esse cenário, mas pode evitar tragédias maiores

Publicado em 06/04/2021 às 02h00
Fome
A fome não reapareceu com a pandemia, mas foi acentuada pela crise sanitária. Crédito: Shutterstock

Esta terça-feira (06) marca o início da rodada de pagamentos do auxílio emergencial em 2021 em todo o país, um esforço para dar algum amparo às parcelas mais vulneráveis da população no momento mais crítico da pandemia até aqui. Não será tarefa simples, com a redução considerável dos valores do benefício para caberem dentro do orçamento federal, com a dotação de R$ 44 bilhões aprovada pelo Congresso, para atender 45,6 milhões de brasileiros. Em 2020, a primeira etapa do auxílio chegou a contemplar 68 milhões de pessoas.

Com a distribuição marcada por irregularidades e fraudes no ano passado, é possível que entre os mais de 20 milhões de nomes que ficarão de fora da jornada de 2021 esteja quem de fato não se enquadra nos critérios de recebimento. Mas essa diferença escancara um dilema, não somente pelas contestações que já começam a aparecer e a apontar que o valor fixado não é suficiente para bancar o pagamento de todos que se encaixam nas regras, mas por indicar que a distribuição pode ter um impacto ainda menor na contenção da pobreza.

Até porque um novo levantamento mostra que, mesmo com sua incontestável importância para aqueles que perderam renda ou se viram impossibilitados de trabalhar em 2020, o auxílio emergencial não foi suficiente para evitar o cenário da fome no país. O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, conduzido pela Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional) no fim do ano passado, apontou que 19 milhões de brasileiros passaram por episódios de insegurança alimentar grave em 2020. Pessoas que, simplesmente, não tiveram o que comer em algum momento. No total, 116,8 milhões de pessoas conviveram com algum grau de insegurança alimentar no Brasil nos últimos meses do ano.

A pesquisa foi realizada em 2.180 domicílios nas cinco regiões brasileiras no momento em que o auxílio emergencial havia sido reduzido de R$ 600 para R$ 300 e de R$ 1.200 para R$ 600, no caso de mães solo. Com o corte ainda mais substancial neste ano, com valores entre R$ 150 e R$ 375, o cenário tende a ter uma piora. Os efeitos no consumo, que impulsionaram a atividade econômica em 2020, serão menores, com o agravante dos impactos sociais que, sem reações governamentais mais ágeis, podem se prolongar ainda mais. 

De fato, a fome não ressurgiu com a pandemia, mas foi acentuada pela crise sanitária. Desde 2015, a faixa de brasileiros em segurança alimentar, com acesso à comida de qualidade e em quantidade suficientes, vinha se estreitando. Se em 2004, o país registrava 64,8% da população em segurança alimentar, o percentual atual é de 44,8%, o pior índice desde então. A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018 do IBGE, anterior à pandemia, já apontava 10,3 milhões de brasileiros em situação alimentar grave.

O regresso do país ao Mapa da Fome deve ser inevitável. O levantamento realizado pela ONU aponta a carência alimentar global, e desde 2014 o Brasil não figurava mais entre as nações com maior déficit. A questão é que, desde então, os erros gerenciais na condução da economia e as sucessivas crises políticas paralisantes pavimentaram o caminho dessa tragédia social que parecia superada, agora acelerada pela pandemia.

A retomada do auxílio emergencial foi tão conturbada e controversa justamente por encontrar o país em um abismo fiscal anterior à crise sanitária. O Brasil sangra financeiramente para conseguir dar algum alento para os brasileiros que mais sofrem na pele com a paralisação econômica. São 19 milhões de pessoas, número que pode aumentar, que não têm comida no prato. O auxílio emergencial de 2021 não paga uma cesta básica em Vitória, que chegou a R$ 600,28. Mas, ao menos, pode evitar uma tragédia maior, se chegar às mãos de quem realmente precisa.

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