Com tapas ou palavras, mulheres interrompidas são mulheres violentadas

Vereadoras de Vitória e Serra são interrompidas por parlamentares nas sessões, enquanto procuradora do interior de SP é espancada por colega que intimidava mulheres no trabalho. Como desconsiderar o machismo com tanto desrespeito e violência?

Publicado em 24/06/2022 às 02h02
Violência
A procuradora-geral Gabriela Samadello Monteiro de Barros, 39, é agredida por colega, o também procurador Demetrius de Oliveira de Macedo, 34, na sede da Prefeitura de Registro (SP). Crédito: Reprodução

É assustador.  Em suas diferentes gradações, a violência contra a mulher toma conta de espaços institucionais, ambientes que deveriam servir de exemplos da convivência entre os gêneros para a sociedade.  Em Registro, cidade no interior de São Paulo, um procurador é flagrado espancando a própria chefe e deixa o país inteiro estupefato. Um procurador, justo aquele que se incumbe dos interesses públicos da cidade.

No Espírito Santo, as Câmaras de Vitória e da Serra têm se mostrado ambientes insalubres para as mulheres. Como já noticiado por este jornal com uma recorrência inaceitável, as duas únicas vereadoras da Capital têm sido alvo de hostilidades que, se não chegam à violência física, soam como tentativas de silenciamento que desmerecem a atuação legislativa de ambas. Desta vez, o alvo dos insultos foi Karla Coser (PT). Na Serra, a vereadora Raphaela Moraes (Rede) foi chamada de oportunista e descontrolada por expor uma situação vivenciada em um posto de saúde. Ofensivas que parecem orquestradas, sobretudo quando se confia na impunidade.

Não se entra aqui no mérito dos posicionamentos das vereadoras, explicados na reportagem. Ambas faziam o tradicional uso parlamentar da tribuna, que cabe a todos os vereadores eleitos. Não custa lembrar que a fala está na própria origem latina da palavra "parlamentar". Ao se promover deliberadamente a interrupção de um discurso, desmerece-se a posição de quem o entoa. É desrespeitoso quando não faz distinção de gênero, mas, quando os alvos são somente mulheres, o nome é outro. Machismo.

Mulheres continuam sendo interrompidas em todos círculos sociais. Nem mesmo a mais alta instância do Judiciário, o Supremo Tribunal Federal  (STF), passou incólume. Em 2017, Cármen Lúcia presidia a Corte quando repreendeu os ministros Ricardo Lewandowski e Luiz Fux por interromperem a ministra Rosa Weber. "Foi feita agora uma pesquisa, já dei ciência à ministra Rosa, em todos os tribunais constitucionais onde há mulheres, o número de vezes em que as mulheres são aparteadas é 18 vezes maior do que entre os ministros…", disse Cármen na ocasião, em tom de puxão de orelha.

Mas não seria exagero comparar as interrupções de fala de mulheres por homens a uma cena tão explícita de agressão como a vivenciada pela procuradora do interior de São Paulo? Não. Como dito no início, são diferentes gradações da violência. Interromper uma mulher ao falar é impedir e dificultar seus objetivos. No caso de uma vereadora, de exercer a sua própria função. Mas uma mulher espancada é também uma mulher interrompida, alijada de seus direitos e de sua dignidade. Só que em seu grau mais alto. 

Esses silenciamentos não podem ser ignorados. Este jornal acredita na força da participação feminina na política e na vida pública como forma de ampliar seus horizontes, sendo esse um dos escopos do projeto Todas Elas. Comportamentos tão reprováveis como o dos vereadores acabam desencorajando a candidatura de mais mulheres. E ajudam alimentar o machismo que, em sua forma mais monstruosa, fere e mata tantas mulheres.

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