Na reportagem sobre concursos e seleções publicada em A Gazeta no último domingo (3), uma frase saltou aos olhos: "salários que podem chegar a R$ 52 mil". Ora, o teto constitucional do funcionalismo atualmente é de R$ 44 mil e, ao acessar o edital para saber mais sobre o cargo com vencimento tão exorbitante — Auditor Substituto de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Roraima —, fica evidente o peso dos penduricalhos: o subsídio mensal é de R$ 37.731,81, um valor que por si só já extrapola a renda da maioria dos brasileiros, turbinado com um auxílio-alimentação de R$ 3.773,18 e, pasme, um auxílio-transporte de R$ 11.319,54.
Por ironia do destino, o Poder360 publicou, nesta terça-feira (5), uma matéria sobre o mesmo Tribunal de Contas: lá em Roraima, os valores recebidos em setembro pelo presidente Célio Rodrigues Wanderley excederam (e muito!) o teto, com um salário de R$ 1,8 milhão. Outros três conselheiros também superaram a casa do milhão. A assessoria do órgão atribuiu os valores ao pagamento de licenças compensatórias, acúmulo de acervo processual, entre outros. Alguma dúvida de que possam ser chamados de supersalários?
Outra aberração encontrada no Tribunal de Contas de Roraima, segundo a reportagem, é o caso de duas mulheres que recebem pouco mais de R$ 17 mil mensais como pensionistas do mesmo ex-conselheiro, morto em 2011.
Não é de hoje que esses abusos com o dinheiro público, que ajudam a construir uma casta de privilegiados da República, são criticados, mas sem uma reação que consiga exterminá-los. Vale lembrar: apenas 0,3% dos servidores efetivos no país recebem supersalários. São poucos, mas são influentes. Em pleno 2024, ainda é preciso gritar contra tamanha imoralidade com uma população que luta tanto para garantir o sustento, sem ter o retorno dos seus impostos em serviços públicos de qualidade.
O projeto de lei que tramita no Congresso para "acabar" com os supersalários tem tantas exceções que acaba sendo inócuo. Resultado da ação organizada dos grupos de interesse que conseguiram desfigurar o texto em sua passagem pela Câmara. Sobre os privilégios dos encastelados, vence quem fala mais alto aos interesses dos deputados.
Como aceitar que um servidor receba mais de R$ 1 milhão, como achar natural que o Estado brasileiro banque tamanha extravagância? A pressão precisa vir da população e das lideranças políticas comprometidas com menos desigualdade no trato com os recursos públicos.
O governo federal discute o corte de gastos, com medidas que devem ser anunciadas nesta semana. Dentro desse contexto, uma remodelação do serviço público, com o fim definitivo dos penduricalhos, seria fechar uma torneira que historicamente desperdiça recursos públicos com muito poucos.
Ao contrário disso, continuamos permitindo a realização de concursos públicos como o do Tribunal de Contas de Roraima para garantir mais uma nova geração de "furadores" do teto salarial com penduricalhos, sem falar nos direitos adquiridos. O tempo parece nunca estar a favor do Brasil.
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