Quando um senador da República é flagrado com dinheiro na cueca (um eufemismo necessário aqui para reduzir o impacto daquilo que de fato ocorreu), fica a triste constatação de que a corrupção no Brasil atingiu um nível de escatologia que seria impensável dois anos após as eleições que elegeram um presidente e um Congresso tão pautados pela moralidade.
O ano de 2018 talvez tenha testemunhado apenas encenações que conseguiram ser convincentes para conquistar os eleitores, mas acabaram desaguando naquele que é o lugar-comum da vida pública brasileira: o uso do poder em benefício próprio, com a apropriação dos recursos estatais, sem qualquer decoro.
Ironia maior foi o agora ex-vice-líder do governo Chico Rodrigues ter passado pela situação escabrosa no mesmo dia em que Jair Bolsonaro mais uma vez defendeu a idoneidade de seu governo em níveis que sempre soam pouco plausíveis. O presidente é sempre hiperbólico, vide a declaração dada anteriormente de que acabou com a Lava Jato porque não há corrupção no seu governo. O seu trato exagerado das palavras acaba sendo sempre uma boa estratégia de discurso. Os que compram cegamente que não há nada de podre no reino de Brasília afirmam que é a imprensa que exagera, mesmo que as intenções de minar a força-tarefa se demonstrem em suas ações.
O comportamento de Bolsonaro é o ponto de partida para as constatações da Transparência Internacional de que o país passa por retrocessos no combate à corrupção. O presidente está associado a esse alerta de corpo e alma. As análises dos últimos 12 meses incorporam dois relatórios da organização não governamental que foram enviados na semana passada ao Grupo de Trabalho Anti-Suborno da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e para o Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi). E a credibilidade do país segue assim sendo sucessivamente colocada em xeque na comunidade internacional.
“Os relatórios confrontam diretamente recentes declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre ter ‘acabado’ com a Operação Lava Jato porque em seu governo ‘não há mais corrupção’”, disse a entidade. Em um dos documentos, há destaque para os retrocessos institucionais registrados nos últimos 12 meses. Por 15 anos, a partir das investigações do mensalão em 2005, o Brasil conseguiu se colocar em destaque internacional pelo combate sistemático dos ilícitos.
Da demissão do diretor da Polícia Federal, passando pela perda de independência da Procuradoria-Geral da República e chegando ao desmantelamento de forças-tarefas, essas decisões controversas do atual governo não passaram incólumes ao raio x da Transparência Internacional. Está tudo explicitamente citado no relatório. Nem mesmo os arranjos suspeitos para proteger aliados e familiares escaparam. Mesmo que não haja nada de concreto ligando os atos governamentais aos interesses privados, a mera suspeição é grave demais para a imagem do país.
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O vexame do senador, aquele com quem Bolsonaro afirmou ter uma "união estável", traz mais um escândalo para a porta do governo. Mostra que a escolha dos aliados não é tão criteriosa assim. A hipótese alucinada de que Bolsonaro tenha realmente acabado com a corrupção é, no mínimo, pura soberba sobre uma situação ainda evidentemente fora de controle no país. O presidente deveria, de fato, aumentar o rigor fiscalizatório, fortalecendo as instituições e prestando contas. Mas com o volume de suspeitas em torno de seus familiares, obviamente é mais conveniente sepultar a corrupção do país, como um salvador da própria pátria.
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